PRASANTA FLORES
Eduardo Prearo
Prasanta Flores acordou bem disposta e também feliz da vida porque era dia de seu aniversário. O céu estava meio alaranjado, um céu derradeiro. Ela coou o café com a água fervida numa espiriteira encontrada no lixão e foi sentar-se à mesa. Sim, havia uma mesa, não me perguntem como. Uma mesa de algum metal barato, retângular e vermelha. Bento acordava mais tarde, geralmente depois das dezoito. Era um foragido; mas Prasanta o tinha como o homem mais inocente do mundo. Ninguém sabia que estavam vivendo ali já há dois meses; entravam e saíam por um buraco secretíssimo, e somente à noite. Subiam vinte e três andares à luz de farolete.
- Prasanta, minha flor, já de pé?
- E o meu presente, homem?
- Tá maluca? Que presente?
- Pois meu aniversário é hoje, você esqueceu nenêm... - Correu até a janela e chorou. Ficava alterada por coisas mínimas.
- Quer fumar?
- Isso mata e é a pior coisa do mundo, tá no jornal.
- Vem cá prum carinho.
- Não tô pra carinho nenhum. Quero só um presente.
- Ah, mas eu vou lhe dar um presente. Pensa que esqueci, não é? Feche os olhos e abra as mãos.
Prasanta fechou os olhos e sentiu algo pesado sobre suas palmas. Abriu então os olhos, olhos cor de pêra, e uivou num soprano alto.
- Um anel que parece de diamante! Onde achou?
- Não vou dizer que perde a graça. Mas é lindo, não é?
- Obrigada, obrigada. Olhe, venha cá. Dê-me sua mão. Achei umas revistas antigas aqui numa caixa. Olha só as fardas desses soldados. Guerra alguma coisa... Vietnã, eu acho. Que jeans mais lindos! Quero alguma coisa de jeans, é coisa moderna.
- De jeans. Calça como a minha assim rasgada?
- Não, alguma coisa mais na moda.
- Moda é circo.
- Tá besta, vagabundo?
- Ué, quem anda todo diferente é porque tá na moda. Vem cá prum beijinho.
- Sai que não suporto bafo de pinga. Vá arrumar mais comida. Desculpa, é que estou com fome. Vá, Bentinho, vá ver se arruma um rango pra gente batê. Hoje vou ficar em casa.
- Tá bom.
- A noite está bonita, né? Dá pra ver até o Cruzeiro do Sul. O mundo vai ficar em paz.
Bento se retirou e Prasanta Flores ficou contemplando a lua, a lua mais diversa que havia visto. Essa contemplação a deixara um tanto ou quanto sem lucidez. Acendeu uma vela e, enquanto orava por seus pecados e os do mundo, ouvia uma musiquinha de algum rádio... Chorando se Foi... Devia estar no último volume, pra ela ouvir ali, do vigésimo terceiro andar!
Voltou um pouco ao passado e lembrou-se da infância... Prasanta, te amo, parabéns, Prasanta, tudo de bom!
Que aniversário lindo! Que aniversário lindo!
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