FESTA NA CORTE
Alberto Carmo

O prato era daqueles brancos com uns desenhos no fundo. Depois que o macarrão caiu cansado e foi soterrado pelas cores dos tomates e das carnes bolonhesas, a paisagem transferiu-se aos odores.

Uns achavam que era orégano, outros cominho. O berro unânime foi o sabor. Aquilo de fazer os convivas salivarem de sentir o cheiro. Se não fosse domingo o Criador adiantaria a agenda. Mas era domingo, e a família estava lá inteira, de cabo a rabo, de neta a segunda nora desquitada.

O golpe fulminante dos bifes à milanesa quase fez a cozinha virar uma Pompéia após o cataclisma. Uma boa mesa, mais perene que as tsumanis dos havaianos - invade e mata por exaustão. No caso por orgia gastronômica.

A salada parecia um colar de pérolas. O palmito cremoso ficava atiçando as azeitonas pretas, mucamas daquela fome. O azeite pingava delas como seiva de mulher no cio. Lá no canto, o vinho de safra fiel só aguardava onde entrar naquela balbúrdia troglodita. Se um dia houve elegância, esse dia fora ontem.

Como se não bastasse ver os fiapos de espagueti descendo solenes goela abaixo, e depois acima, a carne desfiada que burlava os talheres e subia insana até a língua deixava um gosto apurado, uma cor marrom-siciliana que fazia a boca dos ausentes salivar.

Mas, como a comida era boa, parecia nunca acabar. Coisa que só nos conventos da Idade Média. Hora houve em que já se comia com as mãos, tamanha a fome. Depois só restaria o suicídio, ou uma visita clandestina à cozinha na madrugada da tarde.

Aquilo não era mais um almoço. Seria, no mínimo, uma orgia felínica que faria a vida mais doce. O queijo jorrava nos pratos como neve amarela. Tingia cada fiapo do molho voluptuoso e ao chegar à boca dissolvia-se em creme.

Se, num descuido, uma das fêmeas deixasse, como deixaram uma ou duas, cair no sulco dos seios fartos um fio de molho a escorrer até onde mais nos embriaga, o tesouro seria disputado num duelo, como o foi.

Armas escolhidas, mataram-se os dois logo após a sobremesa. Foi um almoço completo. Lá se comeu o que se matou, viveu-se o que se queria da morte, zombou-se dos que não mais suportavam a vida.

Dos mais felizes sobreviveu a negra trigueira. Dona do molho que a todos embriagou e das coxas mais meretrizes da casa, que abrigaram em seu regaço o urro discreto do senhor.

Senhora da boca marcada com o gosto ácido e doce que a colheu no refúgio da saia moura.

Depois todos dormiram.

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