TRANSFORMANDO...
Sonia Lencione

Todas as manhãs saio para caminhar nem bem o sol surge no horizonte. Adoro estes meus passeios matutinos.

Ao sair para caminhar hoje fui pensando que quando voltasse para casa devia escrever uma crônica que abordasse o assunto metamorfose.

Tomei um caminho novo. Todas os dias procuro mudar o percurso para que meu passeio não acabe se tornando cansativo e repetitivo. 

Caminhei um tempo e encontrei um bando de bem-te-vis. Uma orquestra tão bem formada. Agradeci a Deus ter escolhido este caminho nesta manhã, porque eles encheram meu coração de alegria. 

Enquanto caminhava comecei a recordar uma pessoa que foi muito importante para mim. Eu a conheci menina e a amei a vida inteira.

Era uma menina sofrida. Fora criada num lar sem amor. Havia sido adotada por uma família que não conhecia os verdadeiros valores da vida.

Naquele tempo era maltratada. Sofria com agressões físicas e mentais.

Certa vez me contou que estava lhe acontecendo algo estranho.

Eu perguntei o que estava se passando e ela me contou que quando estava sofrendo muito devido às agressões que sofria se deitava em sua cama e começava a chorar, então acontecia algo que não entendia. De repente se sentia pregada no teto do quarto e via o seu corpo na cama. 

Perguntou-me o que eu achava disto e eu lhe disse que não entendia muito do assunto, mas que não se assustasse.

Os anos passaram e nunca mais tocou neste assunto. Eu muitas vezes senti vontade de tocar, mas pensava que certos assuntos são como feridas. Quando tocados voltam a sangrar. Desta forma esperei que um dia ela mesma viesse a falar sobre isso. 

Bem, ela tornou-se uma mulher e um dia voltou a tocar no assunto e novamente perguntou-me o que eu pensava que lhe acontecia naqueles dias, e disse também que já tinha uma opinião formada sobre isso. 

Eu lhe disse que encontrara uma forma de se proteger da dor, talvez.

Ela sorriu docemente.

Pensei muito nela hoje porque aquela orquestra de bem-te-vis particularmente me ofereceu muita alegria ao coração. 

Ela era uma avezinha ferida e um dia suas asas se fortaleceram. Voou para distante daqui. Começou uma vida nova longe do Brasil. Se foi um caminho de flores? Não, foi um caminho de espinhos e flores. 

Precisou provar muitas dores e hoje eu pensei que seus vôos a levaram de encontro às coisas que seu espírito buscava.

Minha menina transformou-se numa mulher e não deita mais a cabeça em meu colo buscando consolo, mas muitas vezes me liga de lá. Do outro lado do mundo e me fala simplesmente que ligou porque precisava ouvir um pouco a minha voz.

É uma ave? É uma ave. Uma bela ave. 

Pensei nas mudanças que ocorrem em nossa vida.

Se houve mudanças em meu ser? Houve e sempre há mudanças ocorrendo.

Estas minhas caminhadas respondem a isto. 

Quando estava passando pelos caminhos que os bem-te-vis escolheram para saudar o novo dia que nascia eu me recordei de um tico-tico que costuma cantar toda manhã num outro trecho e me dirigi para lá. 

Como sempre ele cantava e fiquei ouvindo um pouco.

Numa destas manhãs parei um bom tempo para ouvir um sabiá que cantava num fio de eletricidade.

Como este bairro que escolhi para fazer as minhas caminhadas é um bairro novo e ainda há muito verde há grande abundância de pássaros nele.

Hoje eles estavam muito festivos e pude ver um joão-de-barro e um pica-pau. Havia também quero-queros, rolinhas. 

Não sou tão entendida de pássaros e só conheço alguns, mas os amo.

Pensei muito hoje na liberdade. No que significa voar. 

Pensei que só nós mesmos podemos nos prender. Existe algo que se chama flexibilidade. Ela nos proporciona uma outra maneira de encarar a vida. 

Somos pássaros e temos asas. Asas para alcançar os mundos que acreditamos. 

Pelos caminhos vamos nos transformando. 

Ou posso dizer que permitimos que nossas asas se abram e abracem num abraço carinhoso o que nosso espírito desejou sempre atrair para nossa vida. 

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