MULHERES DE PÉ DURO
Reinaldo de Morais Filho

K. nunca se imaginou uma barata, mas sempre se via sujo e pequeno diante do mundo, sonhando, muitas vezes, ser esmagado perante olhos indignados e inócuos de ativistas.

Ana o encarou com olhos de ativistas e esmagou sua cabeça como um gingante cruel, "mas ontem você me amava?...", gritou sob a sola dura do pé da moça, "mas hoje eu já não te amo!".

Tirando a barba, K. parecia um frango com olhos esbugalhados. Falava entrecortado por soluços, como se fosse uma galinha doente, beliscava a comida com seu bico amarelado e ciscava o chão em qualquer fila de banco.

Depois de Ana, fechou-se em si mesmo, mas, como se quisesse espalhar sua inferioridade, amarrou uma coleira na tartaruga de estimação e a levava para passear na praça, seguindo o seu passo.

Não falava com ninguém mais do que as palavras obrigatórias e nem por isso deixou de levar a mesma vida que dantes, sonhando ser imundo e mesquinho, vendo outras solas gigantes lhe invadir o centro do crânio.

Pela aridez que lhe dominou o espírito, recebeu a alcunha de porco no trabalho; pela bagunça no apartamento, chamou-se preguiça pela faxineira; pelos assovios que gritava para andar sem atropelos nos corredores do prédio, logo os porteiros lhe apelidaram sabiá.

De fato, desde o dia em que sentiu-se esmagado, não quis mais ser homem, como não procurou outros seres daquela espécie para se relacionar. E quando Ana apareceu, de repente, em sua casa, com olhos marejados de ativista pedindo para reatar o namoro, K. não sabia mais falar sua língua...

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.