Alfredo,
Dizem que é primavera lá fora.
Talvez seja. Há um sol querendo entrar insistente pela janela, frestas
de azul flecham meus olhos no escuro. Mas não acredito. Estou dispensando
a sua, me despedindo de você. Será a décima, a nonagésima, a ducentésima
vez? Pode ser a última. Estamos nos despedindo há décadas, há reencarnações
sucessivas de desencontros.
Hoje quero deixar passar. Me despregar, me desligar. Quero uma carta
que seja lâmina para nos ferir. Não preciso lembrar.
Numa metamorfose ao contrário, vou parar de voar, permanecer insólita,
retroceder, voltar ao solo e latejar, múltipla e vigorosa.
Depois me enrolarei na teia de seda que escolhi, fabricarei o casulo,
me atirarei na noite, me fecharei em mim, esmigalharei as asas até virarem
o pó das estrelas que foram um dia.
Vou me tornar de novo abjeta, feia, recolhida. Ficarei ali, esquecendo
teu nome. Contraída na toca que escolhi para que nunca mais visites
minha gruta. Para que nunca mais eu tenha a tentação de voar contigo.
Para que nunca mais eu escute teu canto de sereia.
Para que nunca mais a gente se ame sob o sol de Paquetá. Para destruir
a varanda, estilhaçar as vidraças da chuva, derrubar as paredes da memória.
Para que nunca mais o amor me leve até as galáxias.
E eu entenda, de uma vez por todas, que acabou. Que o teu amor é apenas
uma palavra, aqui, onde me encontro comigo na escuridão.
E, por favor não venha mais bater - não abrirei. E se resolveres chamar,
fala bem baixo porque as palavras ferem, as palavras cortam, as palavras
são armas, coração, para quem as usa em vão.
Fecha a porta quando sair e deixa a chave no portão.
PS - Descobri
que há uma beleza inédita em ser lagarta. Quem já voou, sabe os perigos
da tormenta, conhece as ilusões das flores e sua data de validade. Mas
no casulo tudo é o possível. A lagarta é a borboleta em potência, é
felicidade sonhada, é a infinita capacidade de imaginar o melhor. A
lagarta é a primavera escondida pronta para brotar ,explodir, semear
o solo, redecorar o futuro. É esta ilusão que eu quero, Alfredo, esta
potência, a possibilidade, a descoberta. Cansei de primaveras conhecidas.
Quero o desconhecido que construirei com a minha seda, com as minhas
noites e com a minha fome.
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