BOOKCROSSING
Ubirajara Varela
Gostaria de deixar registrado para a posteridade o meu caso amoroso com Eleanor. Antes que os livros se tornem obsoletos, como os discos de vinil, hoje apreciados por poucos, estou colocando este breve relato na internet para que todos possam compartilhar de mais uma história de amor.
Tudo começou com um passeio que resolvi fazer pelo centro da cidade. A revitalização de uma praça, importante ponto turístico, entroncamento de duas das nossas maiores avenidas. Confesso que fiquei espantado com a bela iluminação que a prefeitura implantou. Caminhando disperso, encantado pelas luzes como uma criança, quase fui atropelado ao atravessar a movimentada avenida. Se não fosse um exemplar de “Cem anos de solidão” do Márquez, que me fez tropeçar e impediu o acidente, agora não sei onde estaria.
Recolhi o livro, limpando a poeira da roupa com o próprio volume. Resolvi tomar um café para me recompor do susto.
Já na cafeteria, susto contido, pus-me a folhear o livro. Na primeira página havia informações detalhadas sobre uma espécie de jogo. Eleanor, a dona do livro, tinha deixado o exemplar ali de propósito, a fim de que outras pessoas o encontrasse e o lesse, abandonando-o em outra posição da cidade, depois de relatar tudo num site da internet. Fiquei intrigado com a brincadeira e resolvi aderir.
Após ler o livro, fui procurar a tal página da rede, a fim de deixar o meu comentário e os dados para o novo abandono. Descobri que o livro já tinha rodado metade da cidade e eu era o oitavo afortunado a ler este volume. E mais, Eleanor estava desejosa de encontrar todos aqueles que ingressassem na brincadeira por parte do seu livro, para discutir sobre a obra, considerada genial por ela. Como eu sou um fã incondicional de Gabriel Garcia Márquez, procurei-a.
Muitas conversas, verificações, bate-papos e e-mails depois, marcamos um encontro. Naquela mesma cafeteria no centro da cidade, onde fui me aprumar do susto. Grande coincidência.
Fomos cordiais na primeira hora de conversa. Estávamos nos conhecendo, sorrisos e tons de voz moderados. Mas, passadas as impressões iniciais, entramos numa ríspida discussão sobre a posição ideológica e política de Márquez que nos fez levantar da mesa, sem nem trocar um tchau, cada um seguiu para um lado. Como eu demorei para sair, tive que pagar a conta.
Dois dias depois, recebi um e-mail de pedido de desculpas de Eleanor. Respondi à altura, e marcamos um novo encontro. Desta vez noutro local, um barzinho perto da rodoviária, onde se encontravam os intelectuais, os boêmios e os decadentes da nossa cidade.
Mesma coisa. Passada a primeira hora, caímos numa discussão ainda mais inflamada. Quando estávamos por levantar, puxei-a pelo braço e beijei-a. Ela me empurrou, com espanto disse algumas palavras ininteligíveis e saiu correndo do bar. Novamente tive que pagar a conta sozinho.
Uma semana depois, recebi um novo e-mail de Eleanor, dizendo que queria me encontrar novamente e que a sensação sentida por ela quando a beijei só se comparava à sentida ao ler um outro texto de Gabriel Garcia, “Amor nos tempos do cólera”.
Aceitei o convite, mas com uma condição: não discutiríamos literatura. Só falaríamos de outros assuntos. Ela concordou.
Marcamos o encontro no mesmo ponto onde eu primeiramente havia encontrado o livro: a Praça Sete de
Setembro, ponto turístico e entroncamento das duas maiores avenidas da nossa cidade. Conversamos e circulamos a praça durante algumas horas, sem ver o tempo passar. Quando nos demos conta, estávamos no ponto de partida, o sinal verde para os pedestres atravessarem e um caderno no chão. Abaixei para pegá-lo. Estava todo em branco, apenas com uma frase na primeira página: “Eleanor e Antônio”. Fiquei novamente perplexo, senti a mesma sensação de quando quase fui atropelado. Olhei para ela e estava sorrindo. Disse-me:
- É agora que a história começa.
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BOOKCROSSING: “Cruzamento de livros” em português, também chamado de “atentado poético”, é uma manifestação pela rede e consiste em incentivar pessoas a abandonar livros em locais públicos para que outras pessoas os encontrem. A proposta é que, depois de terem sido lidos, eles voltem a ser deixados para que outras pessoas dêem continuidade ao jogo.O www.bookcrossing.com administra um banco de dados com os passos das obras abandonadas e os comentários dos leitores. Antes de libertar um volume, o "bookcrosser" deve registrá-lo no site gratuitamente e dar as coordenadas de onde o "esquecerá", devidamente etiquetado com os procedimentos que a pessoa que o encontrar deverá seguir.
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