MANIAS
Sônia Cintra

Diziam que ele era do contra, isso desde menino. Levantava-se da cama pelo lado que se sobe em montaria e descia pelo oposto. Punha os pés na cabeceira e o cobertor antes do lençol, na pele, pois discordava do pijama. Dormia de luz acesa, caso não tivesse luar. Vestia meias pelo avesso, porque a costura incomodava, assim como as etiquetas. Sapato novo, nem pensar, saía com um pé de cada cor. Na escola, era canhoto, no mais, ficava destro. Menos na tribuna. Roía unhas. Palitava os dentes com fósforos, porque era mais higiênico. No filé a cavalo, pedia o ovo por baixo e a carne por cima, e como preferia a gema dura, o filé, que por tradição e título era rápido, tornava-se demorado. Só bebia café de coador e a pimenta só valia se vencida. Adorava bauru, em Jundiaí. Abria tudo e não fechava nada, nem caixa, nem livro, nem porta, nem gaveta, nem arquivo, nem janela, nem a boca, às vezes. Sabia de cor o nome de cada passarinho pelo canto. Na lareira, tinha um ninho. Prezava fantasias. Diziam que nos bailes, quando moço, trocava o lado esquerdo, natural da alfaiataria, para o direito, para melhor dançar com a namorada. Não andava em calçadas, preferia o meio-fio, embora nunca ficasse em cima do muro. Quando tudo dava certo, diziam que mudava de rumo, para afinar o sangue. Tomava bagaceira para cortar a gota e cachaça para espantar o tédio. Quando as coisas ficavam muito turvas, degustava uma Cristal. Depois de adulto, investia em tatuagens. Amava a poesia, mas escrevia em prosa. Se dirigia na cidade, a cada semáforo vermelho olhava para os lados e só depois continuava, engatava a outra marcha e prosseguia tal e qual os outros carros. No sinal verde, ele parava, como os outros veículos. Diziam que era daltônico, mas ele via.

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