ROBÔLUVÓTICA
Rodrigo Stulzer Lopes

[Webber]
- Senhor King, não entendo por que manter a deficiência física de nós humanos no projeto dos robôs inteligentes.

- A evolução destes organismos é cada vez mais espantosa. Eles já têm consciência própria e as tarefas triviais são executadas de maneira rotineira. O ponto cego, motivo originário desta conferência, é uma característica humana. Todos sabem que o nervo ótico, o qual liga o olho ao cérebro, é a sua causa. O nervo não possui bastonetes e cones, que são os receptores visuais.

- Com a tecnologia disponível hoje não precisamos ter algo semelhante ao nervo ótico para sustentar a visão dos robôs. A própria transmissão de dados através de ondas pode facilmente reparar isto.

- Por que você gostaria de agregar características claramente falhas da constituição humana aos robôs que tanto nos ajudam?

[King]
- Prezado senhor Webber, o último século trouxe uma evolução surpreendente para a raça humana. A tecnologia utilizada hoje seria vista como mágica a menos de quarenta anos atrás. Estamos vez mais dependentes das máquinas para as tarefas corriqueiras. Não mais sabemos como operar uma usina de conversão iônica; tudo é feito pelos robôs, inclusive as decisões críticas. Já passou o dia em que as máquinas eram meros executores. Hoje em dia elas comandam as mais complexas estruturas de suporte à vida e também a economia mundial.

- O que estamos tentando fazer é deixar os robôs com o máximo de características humanas, tornando a comunicação homem/máquina mais simples e fluida.

[Webber]
- Senhor King, entendo perfeitamente a premissa básica, mas não concordo com ela. Temos a oportunidade de desenvolver seres com capacidades superiores às nossas, com inteligência e poder racional jamais sonhados. Sem estes empecilhos que o Senhor deseja colocar, do qual o ponto cego é somente um deles, nunca teremos a evolução plena da raça robótica. Eles serão, no máximo, iguais a nós.

[King]
- É exatamente este o ponto, Senhor Webber. Hoje ainda estamos no controle da situação. Os robôs são nossos servos, apesar de já terem desenvolvido uma consciência. A corrida incessante por desenvolver o robô perfeito, seja por causas comerciais, seja para um benefício pessoal da humanidade, é muito perigosa.

- Estou, através do mimetismo de características humanas, criando o que poderia se chamar de "alma" robótica. A cada geração eles estão mais inteligentes e independentes. Hoje nos tratam como superiores, pela simples razão que ainda não desenvolveram todo o seu potencial de consciência independente. Amanhã podemos passar de senhores a meros animais de estimação.

- Trabalho e rezo para que este dia não chegue.

* * * * * * * * * * * *

Dois dias já haviam se passado desde a Conferência Intercontinental; King chegou em casa cansado e chateado por não conseguir provar a sua teoria para a Organização. Ele não sabia se a Organização não o entendia ou não queria entender. Trilhões de Créditos estavam em jogo. Cada geração nova de robôs era mais avançada e inteligente que as anteriores, gerando um lucro fabuloso para todas as Corporações. Ninguém queria retroceder ou diminuir a velocidade de avanço dos robôs por causa de uma teoria catastrófica como King estava apresentando.

Resolveu tomar um banho de imersão para relaxar. Ativou, através do comando de voz, a banheira polarizada. Quando pensava que antigamente gastavam um espaço imenso só para ter uma banheira em casa, sorriu. Com a nova tecnologia de polarização da água, poderia fazer de qualquer espaço uma mini piscina com as dimensões que desejasse.

Despiu suas roupas enquanto a água subia de nível contida por uma barreira invisível. Em poucos segundos um bloco de água soltando um leve vapor estava pronto ao seu lado. Colocou a palma da mão na superfície e aprovou a temperatura. "Perfeita, como sempre."

Entrou na água e os suspensores moleculares deixaram seu corpo flutuar na medida certa. King fechou os olhos e relaxou totalmente.

Ele não nota quando a água começa a formar um cilindro compacto, subindo em direção à sua cabeça. Rapidamente a água se projeta no rosto de King e começa a afogá-lo. O homem tenta se levantar mas algo puxa-o para o fundo da banheira polarizada. A resistência é inevitável; em poucos segundos King morre afogado.

A Organização das Corporações Unidas presta homenagem ao famoso cientista Robert King pelos serviços prestados à evolução da humanidade. Todos comentavam a estúpida forma que ele havia morrido: afogado acidentalmente na sua própria banheira polarizada.

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