AGORA... E LÁ ATRÁS
Pedro Grillo
Eu tinha me esquecido totalmente de que era odioso viver naquela casa. Mas aí foi simples: cortaram a TV à cabo e a guerra mais uma vez se instalou. Era minha mãe me ligando de cinco em cinco minutos com aquela voz plácida me contando coisas que não cabiam a mim, minha irmã vivendo naquela alienação típica que tanto me irritava, o mais velho ligando de longe para saber como estamos, dizendo que sente saudades, mas demais ocupado para fazer qualquer coisa. Estava insuportável aquela situação. As perdas que já haviam sido a tônica dos meus anos de adolescente começavam a se reeditar na minha vida, dessa vez, já garoto grande, responsável o suficiente para pensar em algo que não fosse o baixar a cabeça que me foi tão típico.
Abri a porta e irrompi para fora, irrompi para uma nova vida, que seria, dessa vez, diferente. Eu estava prestes a passar por muitas dificuldades, sabia disso, mas o preço era uma mixaria diante do fato de que eu estaria enfim só. Pelo menos o ônus de estar naquela casa não me atingiria mais. E o bônus, esse já não existia há um bom tempo.
Foi assim que vaguei por bairros desse Rio de Janeiro, naqueles anos 90. Pensão da dona Rosário na Lapa, quarto alugado no Flamengo, depois Botafogo, depois pensão de novo na Lapa... A grana era curta, mas me forçava nos momentos mais críticos para me lembrar do que havia vivido naquela casa que era da minha família, no sofrimento em que não se podia apontar culpados, na coitada da minha mãe, irmã e irmão que não podiam ser julgados e condenados, se na verdade foi a vida, somente ela, quem os deixou daquele jeito.
E quem pode culpar os outros pelo mal que nos atinge? Cada um é cada um, eu já sabia disso desde muito novo, e para mim, então, só restou a responsabilidade jogada nos meus ombros, a seleção de nova casa, novos amigos - a nova família. Assim, seria tudo do meu jeito, ou quase isso, e dessa vez poderia culpar alguém caso desse errado: eu mesmo. E tudo bem que fosse assim, depois disso aprendia com meus erros, e tentava de novo. Nunca tive medo de tentar.
E aí?
E aí que depois de passados dez anos olho para trás e vejo que de uma crise como aquela o amor pôde nascer de novo em mim, dessa vez de forma diferente, mais maduro, um amor que aceita as diferenças, mas que impõe limites. Aprendi que minha mãe, ela, que morreu faz dois dias, nunca foi na realidade uma vilã, tampouco uma heroína. Ela sempre foi como eu, como vocês, como qualquer um. Nada especial. E é isso que me faz pensar nela e me lembrar com lágrimas nos olhos de tudo que causava em mim essa emoção que sinto agora: o fato é que nela eu via a mim mesmo, nela consigo enxergar a fragilidade minha e de todos nós, e disso me brota uma compaixão que me faz querer abraçar o mundo.
Ahhh, somos todos muito nada!! E não há qualquer coisa mais bela do que isso.
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