A ESPREITA
Marsal Sanches
Antônio já estava ali, de pé, há quase uma hora. A rua estava escura, mas mesmo assim ele tentava, em vão, se esconder atrás de uma árvore. Não podia ser visto. Não podia ser notado.
De sua posição, conseguia enxergar bem a casa do outro lado da rua. Era preciso ter paciência. Caso se apressasse, poderia colocar tudo a perder. Precisava esperar até que o homem saísse. Até que ela ficasse sozinha. Aí, sim, ele poderia agir.
Nove horas. Pela janela da sala, via os dois juntos sentados no sofá. Conversavam animadamente, segurando as mãos. Será que o homem planejava passar a noite ali? Antônio esperava que não.
Nove e meia. Por sorte, a noite não estava fria. Um cachorro, na casa ao lado começou a latir. Logo depois, o latido virou uma espécie de uivo. Ouviu uma voz grossa e o cachorro, de súbito, parou de uivar, como se houvesse sido desligado da tomada.
Dez horas. Antônio viu quando o homem estendeu as mãos e segurou a cabeça dela com firmeza. Viu quando as bocas dos dois se encontraram. Conteve-se. Tudo a seu tempo. Tudo a seu tempo.
Dez e meia. As onze e meia, o guarda do condomínio passaria. Era a hora da ronda. Antônio conhecia bem seus hábitos. Se o homem não saísse da casa logo, ele teria que desistir. Não se arriscaria a ser pego.
Dez e quarenta e cinco. Com alívio e expectativa, ele ouviu a porta da sala se abrindo. Viu quando os dois foram, de mãos dadas, até a porta. Viu o beijo de boa-noite. Viu o homem dar partida no carro vermelho e acelerá-lo sem sair do lugar, como que para aquecer o motor. E, finalmente, viu o carro se afastando, enquanto ela voltava para dentro da casa, devagar.
Antônio esperou o barulho do carro desaparecer por completo. Podia abandonar seu esconderijo agora. O sinal estava verde.
De um salto, saiu de trás da árvore e endireitou a postura. Refez o laço da gravata, que desatara durante a espera. Ajeitou a pasta de executivo e caminhou, passos largos, para a porta de sua casa.
Desde que contratara aquele detetive, meses antes, sabia que sua esposa estava tendo um caso extra-conjugal. Fizera questão de saber todos os detalhes, a que horas se encontravam, com que frequência. Passara a tomar muito cuidado para não surpreender os dois. Naquela noite, quando sua viajem para o Rio de Janeiro fôra cancelada no último instante, sua intenção havia sido a de telefonar para a esposa e avisá-la que estava a caminho de casa.
Mas, já no táxi, descobrira que a bateria do celular estava descarregada. O trânsito na Castelo, terrível. Sem lugares de onde pudesse ligar. Sem um posto de gasolina à vista, onde poderiam parar. E, ao ver o carro vermelho estacionado, havia compreendido que não podia entrar em casa. Pensou em pedir ao motorista para dar meia volta e ir para um hotel em São Paulo. Mas…acabara de retornar de lá. Talvez o visitante não se demorasse muito.
Agora, aguardando a porta ser aberta, Antônio pensava no quanto era necessário mudar sua atitude. Estava decidido. No futuro, não mais se sujeitaria a papéis como aquele. Nunca mais ficaria por horas a fio numa calçada, atrás de uma árvore, esperando que o amante de sua mulher fosse embora. Não. A partir de agora, as coisas seriam muito diferentes. Compraria uma bateria extra para o telefone.
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