DÊ PREFERÊNCIA À
VIDA
Juraci de Oliveira Chaves
Chuva não tardaria. E viria com vento. O lado leste todo cinzento, nuvens revoltas. Chegaria dos morros do Curral. Tempestade de novembro, parecia. O sol quase se despedindo meio que sem querer. Parecia alma encravada no corpo morto, querendo ficar.
Carros em disparada procurando garagem antes da chuva, pessoas correndo num desejo louco de antecipar a chegada.
O vento bate forte sacudindo tudo, produzindo um barulho estranho. Sacode dois bêbados que tentam atravessar a avenida em transe. Um deles tenta puxar o outro para que espere novo instante menos perigoso. Não aceita e ziguezagueando aplaude o sucesso da travessia até ao meio da avenida. Ampla avenida! Falta metade para atravessar, ele faz uma ginástica com o corpo no vai-não-vai. O sinal verde fechado e ele não percebe, nunca perceberia tamanha é a sua embriaguez.
Puf! Cai uma caixa do ombro do homem. Frutas e legumes - já em estado comprometedor- se esparramam pela pista. Em dois fôlegos, abaixa e leva as mãos para recolher as doações, quando um carro entre muitos, esmaga frutas e homem. Desaparece sem socorrer a vítima. Na verdade era um bêbado louco que por segundos esquece de dar preferência à vida, tal qual o motorista apressado.
Por que será que as pessoas sempre ficam em segundo plano? É uma fila enorme de gente com marcas de sofrimento no rosto, nos hospitais, à espera de uma vaga na U.T.I, é governante que corta o atendimento médico dos profissionais do interior, é a fome que vence o fome zero, o desemprego em alta nas estatísticas, e assim, se perdem esperanças, se perdem vidas. Aviltante essa imagem real, onde o companheiro, mesmo ébrio, desolado, trêmulo e acuado junto ao amigo inerte, procura algum sinal de vida. Gritos de socorro. Um círculo humano inativo, a observar, a pensar:
"primeiro a perícia depois o socorro...".
A chuva forte chega, a polícia não. Água vermelha escorre pelo asfalto da avenida. Lava o álcool do bêbado vivo e do morto.
Num bar qualquer, o infrator degusta a cerveja e comemora por ter se safado incólume.
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