FILME
Iosif Landau

Assistira ao filme relaxado, insensível à vida e à morte, uma benéfica pausa na sua existência tortuosa e torturada. Na saída, ainda sob o efeito hipnótico do filme, sentia–se bem, leve, colocou a mão no bolso retirou o maço de cigarros e acendeu um. A saída dos que assistiram e seus rostos perplexos de David Lynch, instigante, misterioso e belo. Passara três horas em êxtase, a entrada ansiosa dos outros o fizeram sorrir, o tumulto na sala de espera o agradava, gostava de ver as pessoas em movimento, o lembravam dos mil embarques e desembarques que vivera nos aeroportos no passado, sentiu saudade daqueles tempos remotos. Pediu um expresso no balcão, continuou fumando distraído, bebeu seu café, acendeu outro cigarro e aguardou a sala de espera se esvaziar, queria curtir mais um pouco do seu bem estar. Desceu as escadas segurando o corrimão, suas pernas envelhecidas precisavam de ajuda, caminhou lento pela galeria até a Visconde de Pirajá, parou na calçada sem saber se voltaria para casa a pé ou de ônibus. Desejava um táxi, mas precisava economizar, o dinheiro escasso, agora mais que nunca. Enfrentou a volta caminhando, euforia abandonada, desânimo, depressão se apossaram, estado permanente nos seus mais de dez anos de ócio, agora, as sete da noite, sentiu–se pior, muito pior, atravessou a Aníbal de Mendonça, do outro lado, acendeu outro cigarro, fumava muito, dois maços por dia, seu único vício. Na sua idade, que se dane... vício só da cintura pra cima... sexo sua desgraça, chegara a desejar a impotência, tornar-se misógino, à geração atual sábia, amores, amores, sexo à parte, em frente a academia de judô, escura, saudade das lutas, da dor no corpo, melhor que a dor de agora... seguiu caminho, pés doendo, mesmos sapatos há meses, não fabricavam mais... atravessou, barracas de flores, pensou em levar algumas, para quem? desistiu, no SUCOS pediu um clorofila, a novidade... ainda me preocupo com a saúde, bebeu devagar... demorar, esquecer... mulheres passando por ele, odiou... atravessou a praça...

...apartamento escuro, silencioso, ligou a TV, hora do JN, cochilou, abriu os olhos, na tela a novela, procurou pelos cigarros, só maço amarrotado, saiu, no botequim comprou dois Hollywood mentolados, retomou o caminho da volta... a mulher parou à sua frente, murmurou palavras inaudíveis... perto dos cinqüenta, ligeiramente obesa, cigarro aceso na mão, nos olhos negros um brilho estranho... 

- está doente?

- não,não... é michê... uma noite de amor... estou com fome.

Ofereceu–lhe dez reais, ela o olhou, não se moveu.

- vem comigo!

Caminharam em silêncio, diminuiu o passo, indeciso, a mulher o olhou, lera seus pensamentos? entrou no edifício, o porteiro o olhou, não disse nada, a mulher sentou-se na poltrona, ele no sofá, acendeu um cigarro, ofereceu outro, não perguntou o nome, não queria saber, com certeza não o verdadeiro, nunca usavam, sempre nomes curtos, Sueli, Luiza, Maria, Silvia, Juana... conhecera tantas, demais... 

- vá até a cozinha!

Ouviu a geladeira abrir, fechar, ela voltou. 

- é o primeiro, os velhos são gentis, dizem... você, uma cara tão triste... um cigarro... obrigado... meu marido se mandou, me deixou lisa... daí... 

Ele não riu, nem mesmo sorriu, a vida é um lixo, acreditava nela?... ela abriu a bolsa, retirou a carteira, abriu.

- veja! Margarida Pessoa, sou eu.

Colocou a carteira de volta, caminhou até onde ele se encontrava:

- quer?

Ele a olhou, hesitou um pouco, levantou–se: 

- não! se ajeite no sofá, estou cansado, vou dormir.

Acordou cedo, cigarro aceso entre os lábios piorou o gosto ruim na boca, indeciso na beira da cama, onde tomar o seu café matinal? vestiu bermuda, chinelos, a mulher ainda dormia no sofá da sala, saiu, ao voltar ele a mandaria embora, mulher nada significava mais para ele, antes de atravessar a Pirajá aguardou o sinal verde, no pé sujo da esquina um pingado, pão canoa com manteiga, imagens do passado surgiram, a turma de remo do Botafogo, média e pão com manteiga depois do treino, ele forte como um touro... touro é meu signo... daqui sete dias seu aniversário, sem ninguém, sem ela, a única que amara de verdade, ele a magoara, tantas infidelidades, um dia ela se fora, cansada de perdoar o imperdoável, pagou a despesa, deixou o troco, o paraíba agradeceu, sua mente no passado, já vivera demais, agora uma puta o aguardava, ele e as putas, por que sempre as putas? desde a adolescência sempre elas, por que? devia ter uma razão, agora não valia mais o esforço para uma explicação, precisava chegar logo no apartamento, enxotar logo aquela, estava conspurcando o santuário onde ele vivera sua única e verdadeira paixão, pegar as fotos, beijar uma por uma, pedir de novo e de novo perdão, talvez ela ouviria, talvez voltaria, apressou o passo, atravessou a Pirajá, tropeçou, ouviu alguém gritar, o ônibus frear, antes de sua vista escurecer viu o sinal vermelho mudar para o verde.

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