SINAL VERDE
Hermann T. Ribeiro
Confesso que para um mineiro do interior das Minas Gerais e agora interiorano do Vale do Paraíba, a cidade grande sempre me pareceu bruta demais, opulenta demais para o meu pobre coração de homem do interior.
Em Santa Rita, minha cidade natal, até alguns poucos anos atrás, não tínhamos semáforos nos cruzamentos, afinal, os motoristas se entendiam e os donos das charretes tinham o seu espaço nas ruas levando as senhoras, minha tia era uma delas, que tomavam este primeiro protótipo de táxi, para levá-las do mercado, no centro da cidade, para suas casas, afinal, sábado era dia de feira. Hoje, estes “charreteiros” ainda existem, e pessoas como minha tia, graças a Deus, também, mas não é como “antigamente”. A cidade cresceu e de uma certa maneira pode contar, orgulhosa, com dois ou três cruzamentos com semáforos. Semáforos 4 tempos!
Mas as cidades grandes que um dia foram pequenas, cresceram e rápidas demais. E numa destas viagens, para o meu aprimoramento profissional, fui à Sampa. Sabe como é, Terminal Rodoviário Tietê, táxi, avenida Ipiranga com a São João.
E no caminho, muitos, muitos semáforos. E a cada sinal vermelho, eu ali, sentado no banco do carona, vidros fechados, ar condicionado ligado, via passar na frente do carro, dirigindo-se para o meu lado, o homem na cadeira de rodas empurrado por seu “piloto”, saquinho de balas sortidas no colo:
- Apenas R$ 1,00 moço.
E eu, de dentro do meu blindado, dizia:
- Não, obrigado.
E do lado do taxista, uma voz franzina a perguntar:
- Vai aí tio, bombom do bom, é Sonho!
E os pedintes foram se multiplicando, e o sinal ainda permanecia no vermelho, nas cidades grandes a transição das luzes custa a passar. E de dentro de mim uma agonia começou a brotar, primeiro por uma questão cultural, o bom mineiro não perde o trem, portanto, aquela visão do sinal prestes a abrir com milhares de carros a minha esquerda, direita, à frente, à trás, e a possibilidade de algumas daquelas pessoas ser atropelada era terrível, segundo porque aquele sinal em vermelho era um sinal aberto aqueles seres maltrapilhos, mas fechado a sua dignidade, das crianças estarem na escola, de não serem exploradas por seus pais ou algozes, de homens paraplégicos e seus pilotos estarem numa empresa com reservas de vagas para deficientes físicos ou mentais.
- Meu Deus ! Saiam desta avenida, o sinal vai abrir e o pouco de dignidade que ainda resta a vocês irá para o espaço, pensava eu.
E de repente, com o semáforo ainda indiferente, elas foram se retirando, como numa procissão de volta à calçada, sem pressa, passos cronologicamente dados rumo ao próximo sinal vermelho. Segundos depois, o verde do “alívio” e ao tentar olhar pelo retrovisor não havia mais nada, a não ser aquela lembrança. Outros sinais vieram e felizmente para o meu “eu” covarde, verdes. Havia apenas a visão rápida, quase indolor, daquelas crianças e adultos a espera do sinal fechado. Hoje, ainda quando chego a minha pequena Santa Rita, sou obrigado a passar pelo primeiro cruzamento, semáforo 4 tempos e aquelas crianças ainda estão lá, na minha lembrança. E na minha covardia ainda torço para o sinal abrir:
- Vai aí tio, bombom do bom, é o seu PESADELO!
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