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Fábio Fujita

Ao som de Maria Rita cantando A Festa, de Milton

Haviam, finalmente, decidido se encontrar (encontrar mesmo!), depois de tantos  Waldomiro fala reservadamente com Amanda que a ama mais do que tudo no mundo, aquelas coisas de internet, que a mãe da Amanda, dona Sônia, não conseguia explicar por telefone para o outro filho, Anastácio, que vivia no Azerbaijão. Na ignorância sobre realidade virtual e cupidos eletrônicos, dona Sônia invariavelmente dizia ao Anastácio, ou a quem quer que fosse, que a Amandinha não estava nada, nada bem, porque vivia metida naquele negócio de computador, sem qualquer outra vida social. Na verdade, dona Sônia temia mesmo era por uma solteirice  ad infinitum da filha.

Amanda não se importava muito com o que a mãe pensava. Afinal, depois de tantas decepções no escorregadio terreno do amor, agora era hora de ser feliz. Foram dois anos trocando emails, falando-se por chat e por messenger com o Waldomiro. Nenhuma foto trocada. Nenhum detalhe de tipo físico. Acreditavam, mesmo, que as afinidades que tinham e o deleite da presença alheia, ainda que uma presença meio ausente, eram suficientes para estarem se amando. O impacto do encontro e da descoberta de traços, feições, lábios, olhos e outros objetos estéticos não passaria disso: do impacto. As pequenas imperfeições - manchinha de acne, bolsa de alça cruzada (tipo de jornalista), a edição semanal da Veja à mostra - seriam rapidamente assimiladas, porque se gostavam. Mesmo. Encontrassem o que encontrassem, eles estavam cientes de que o elemento fundamental de um bom amor já estava consolidado em bases sólidas: a admiração pelo outro, o respeito pelo outro, a vontade de estar junto com o outro, aquele comichão que sobe nas entranhas e que se exorciza com choro ou chocolates. 

Porque o amor não passa exatamente disso: uma combinação de fatores que conduzem a um fim prazeroso. Entre estes fatores, estão a identificação e a beleza. A identificação é tudo aquilo que há da gente (eu, você) nele(a). Ou seja, procuramos como pessoa ideal justamente aquela que mais se parece conosco. Pode ver: tímido com tímida, bicho grilo com bicho grila e estamos conversados. Você acreditou naquela história de que os opostos se atraem? Então, era mentira. 

Já a beleza pode ser a beleza puramente visual, da qual 98% [cálculo aproximado do cronista] da população prioriza. E aí, coisa de dois, três meses (se muito), ela descobre que o Alfredão não é o homem da vida dela, como poderia?, porque alguém que não conhece Giuseppe Tornatore não pode ser o homem da vida de ninguém. Mas aí já é tarde e, para a mãe, ela explica dizendo que o Alfredão não era romântico, não mandava flores, não abria a porta do carro. E acredita na própria mentira, para se sentir menos fútil, porque, em algum momento, passou pela cabeça dela que o tórax do Alfredão era tudo que ela sempre quis na vida.

E aí voltamos para Amanda & Waldomiro, que, por postularem tudo isso, podiam dizer, eles sim, que se amavam. Porque ela era delicada de um jeito que não se tratava de só parecer gracinha, e ele era culto, sem soberba. E porque ela decorou uns trechos do Para Uma Menina Com Uma Flor, e ele não, mas de cara sabia que era do poetinha, e tal. E porque ela dizia adorar sopas e alimentos aquosos, e ele dizia ter alergia a telefone celular e sapato apertado. E porque moravam próximos, no mesmo bairro - Perdizes! - e então isso só podia ser um bom sinal. 

Então Amanda & Waldomiro combinaram de se encontrar. Mas como se reconheceriam?, era a dúvida dele, porque ela quis porque quis marcar num lugar que era muito próximo do estádio do Palmeiras, e justamente em dia de jogo. Algum item de identificação, plaquinha na cabeça, como seria? 

- Tenho algo de verde. Mais não digo - resumiu Amanda.

E foi a única pista que ela deu, para desespero do Waldomiro, que tinha certeza que no meio de uma multidão de palmeirenses um sinal verde iria ajudá-lo tanto quanto ser incumbido de localizar um chinesinho baixinho de nome Chong em Pequim. Mas aceitou. Acreditava na intuição. 

Waldomiro chegou cinco minutos antes do horário combinado. Por ele, passaram algumas mulheres, umas bonitas, outras também, mas sabia que nenhuma delas era a sua Amanda. Até que, numa meia distância de dez metros, ela entrou em seu raio de visão. Waldomiro ficou paralisado com o olhar dela, com aqueles olhos claros, mais do que verdes, quase brancos de tão verdes, acompanhados por um sorriso de quem há muito aguarda por alguém. Um verde definitivo e soberano, como o que fez a fama do Hulk - mas muito mais pra Jennifer Connelly, em termos de harmonia (só para ficarmos no mesmo filme). Não precisava mesmo de outra dica: verde dizia tudo. O abraço entrou espontâneo, sem precisarem se reconhecer, "é você?", e ele era mais alto que ela, então ela ficou daquele jeito de comédia romântica ruim, com as perninhas no ar, balançando de felicidade.

E, um ano depois, dona Sônia se tornava sogra, sem ter entendido direito como tudo aconteceu.  

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