NO, BOYS!
Daisy Melo
Hoje vou escrever uma crônica. Vamos lá, é a minha primeira, peço compreensão.
Ando meio alienada. Não tenho tempo para assistir ao Jornal Nacional e quando chego em casa me surpreendo com a Ana Paula Padrão falando uma língua que não é a minha, o que mantém a minha capacidade intelectual incólume. Jornal de papel? Nem pensar. Só aos domingos, entre a preparação do almoço, a limpeza da casa, a poda da trepadeira que está com praga, a prescrição do remédio do gato que anda espirrando e aquele texto interessantíssimo de Barthes que preciso ler para apresentar no seminário.
Pois bem, durante a aula de Estrutura e Funcionamento do Ensino, soube que os Estados Unidos (Ave César), pediram que enviássemos nossos soldados para o Iraque. É isso? Como assim? Pelamordedeus me expliquem!! Estou atrasadíssima, provavelmente esteja tudo resolvido, caso encerrado, mas na sexta-feira passada me congelei e permaneço congelada.
Bateu um medo profundo, coisa só compreendida por questões outras de vidas outras, passadas ou não. Me descompensei, entrei em pânico e não raciocinei perfeitamente. Quero fugir para o Canadá, como os desertores americanos quando eram sorteados para o Vietnã, e carregar meus filhos dentro da mochila. Qual galinha mãe que tenta sustentar seus quase galinhos embaixo da asa.
Lembrei uma cena: eu devia ter meus 19, 20 anos. Na época minha mãe tinha um sítio aqui em Guaratiba. Tínhamos cachorros, gatos, papagaios, macacos e até um filhotinho de coruja, sem falar nas galinhas e patos.
E tinha a Matilde, uma galinha garnisé, linda, branquinha. Galinha garnisé, para quem não sabe, é uma mini galinha. É bem pequenininha, uma graça. E tínhamos também o Aristeu, o macho, um galo garboso, vermelho e sacana. Não importava a festa que fizemos na noite anterior (e eram muitas), nem a hora que tínhamos ido dormir (provavelmente com o dia quase nascendo), pois ele sempre cantava às cinco da manhã. Subia na janela do quarto e cantava para dentro da casa, acordando todo mundo! Galo da peste!
Matilde teve um único pintinho, o Brizolinha. Devo fazer aqui um parênteses que espero que seja grifado: nunca, NUNCA fomos brizolistas, tal nome ainda me causa algum arrepio, mas na época, minha mãe, também não brizolista quis fazer uma brincadeira com a nossa atual (naquela época) situação política e colocou o nome do pintinho de "Brizolinha". Pois bem, Matilde, mãe extremada, acomodava Brizolinha entre suas asas. Ele como não podia deixar de ser, já que era uma criança e queria brincar, escapava. Ela cocoricava uma bronca e dava umas bicadinhas na cabecinha dele que voltava correndo a se aninhar na segurança das asas da mãe até que passado menos de meio minuto (era muito levado) aparecia a cabecinha preta, no meio do mar de penas brancas. E ele fugia de novo! Tentava novamente ganhar o mundo. Era muito engraçado ver aquela mini galinha branca tomando conta do seu micro filhotinho negro.
Pois é, se o dia da guerra chegar e bater na minha porta, vou dar uma de Matilde vou para o Canadá, sei lá... vou para Irlanda ou Austrália. E levo meus pintos dentro da mochila-asa.
Mas esta é uma questão entre outras. Quando nós, brasileiros, vamos dizer não? Quando fecharemos o sinal? Sinal vermelho, boys! RED! Dou you
know, guys?
Tenho dois filhos homens de 18 e 16 anos, mas eles não são o mérito desta crônica. Seria preciso mais que uma crônica, é necessário uma vida inteira para explicar o que sentiria caso meus filhos fossem para uma guerra. Uma guerra não é opção de todos. Ela invade e é opções de alguns que por sinal não vão à guerra. Meus filhos, privilegiados, seriam tenentes ou coisa que o valha. Talvez não estivessem lá no front, na linha de frente, mas ainda assim veriam o horror e eu não quero isso.
Hoje moro na mesma Guaratiba, que por acaso é uma área militar, e vejo da minha varanda uma paisagem linda: a Restinga de Marambaia onde o sol se põe transmutando cores minuto a minuto. Nunca o pôr do sol de hoje tem a mesma cor daquele de ontem. Em nenhum lugar vi tons de lilases misturados aos vermelhos e aos azuis como aqui. Se fixar meus olhos por mínimos segundos, percebo um esverdeado lá no fim. E os barquinhos dos pescadores bailam tranqüilos.
Passo diariamente, ida e volta na frente do quartel. E dependendo do horário, vejo os soldadinhos esperando condução para irem para casa. Talvez a mãe ou a namorada os esperem com um prato de arroz e feijão temperado com carinho e amor. E eles têm a idade dos meus filhos. Estão ali por falta de opção. Ir para o quartel, significa ter comida, cama, soldo e quem sabe? Talvez uma profissão futura. Meu filho mais velho está numa universidade paga e sonha quimeras que vão além da sobrevivência. O mais novo, ainda no segundo grau, não sabe bem o que fará, mas eu sei, rezo, que seja alguma coisa que o faça feliz. Eles criam para si e esperam mais do que simples migalhas. Pois aqueles meninos lá na frente do quartel, que sonham pouco e esperam menos ainda, iriam para o Iraque, morrer por uma guerra que não é a nossa.
Não sou lulista. Confesso. Sou cética demais (como também o era em relação ao outro candidato), racional demais. Não acredito em duendes. Nem em fadas. Tento. Ai, como tento, como quero acreditar. Se escrevo sobre arco-íris é por que antes de tudo sou poeta. E os poetas sentem mesmo quando não acreditam.
Soube na mesma aula de Estrutura e Funcionamento de Ensino, que nosso presidente disse não. No, boys!
Nosso presidente, disse não. Um pelo menos disse não. E dentro do meu coração, espero que ele continue firme e não volte atrás, pois fico imaginando qual a retaliação que os EUA poderão fazer conosco. Mandar uma bomba embrulhada em papel de presente com um cartãozinho: "para Lula com a estima da Al Qaeda"? Não dizem que foi isso que aconteceu na
2ª guerra mundial com nossos submarinos? Talvez esteja somente sendo paranóica.
A gente pode tanto... vamos parar de dizer "sim"? Pelo menos "sim" à toa, só por dizer ou por não saber ou ainda por não conhecer. "Sim" por "sim". Sem pensar. Vamos parar de repetir "sim"?
Presidente. Rezo por você ainda ceticamente, confesso, mas rezo por seu/nosso sucesso desde o dia da sua posse. O mais importante é que você fechou o sinal verde. Isso, senhor presidente. Então qualquer um pode passar, pode entrar e fazer da nossa sala de estar a casa da mãe Joana? Não somos um país sério? Ora, go home, guys!
Senhor presidente, não mande os nossos soldados que têm um sonho tão pequeno e tão fácil de ser realizado. Eles são ainda meninos e iriam lutar uma guerra que não é a deles, que não é a nossa. Uma guerra de poucos.
Que eles, se preciso for (e espero que esse dia nunca chegue), possam defender o nosso verde, o nosso território, as nossas matas, os nossos recursos, a nossa água.
Sinal vermelho, Senhor presidente. Por favor.
E muito obrigada pelo seu "não"..
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