O SISTEMA
Claudio Alecrim Costa

Como homem moderno e adaptado à tecnologia, enfiei meu cartão para mais um saque no caixa eletrônico. Esperei e veio o fatídico comunicado: seu cartão está cancelado. Precisava do dinheiro e me perguntava o que poderia estar acontecendo. Tentei outra agência e o mesmo aviso apareceu na tela luminosa, como um dedo apontando severamente para o meu nariz.

Peguei o telefone celular, irritado, e liguei para o serviço de informações que o banco oferecia. Uma voz gravada, indiferente ao meu desespero, seguiu com instruções que me ligaram à atendente.

- Pois não, senhor.

- Meu cartão está cancelado...

- O senhor está no atendimento a extravios...

- A senhora pode resolver isso para mim?

- O senhor deve discar novamente e escolher a opção conta corrente.

- Mas...

Não havia jeito. Fiquei por um longo tempo tentando o novo contato o que me deixou, definitivamente, enlouquecido. Pois já não se tratava de um cartão cancelado, mas de uma barreira a ser ultrapassada: a da tolerância.

- Boa noite, senhor.

- Boa noite é uma ova...

- Como, senhor?

- Meu cartão está cancelado.

- Um minuto senhor...

Era como esperar pelo juízo final tomando um sorvete de casquinha.

- O cartão do senhor consta em nosso sistema como cancelado mesmo.

- Estou impressionado!

- Como disse, senhor?

- Pare de me chamar de senhor!

- Como disse, senhor?

- Por que meu cartão está cancelado?

- Essa informação não consta no sistema.

- Não me interessa a droga do sistema. Chame o gerente.

- Senhor...

- Você, meu chapa, camarada, qualquer coisa que não seja senhor!

- O senhor está certo, mas o sistema...

- Não me interessa o sistema. Estou na rua e terei que dançar na calçada ou fazer um número de malabarismo para conseguir algum dinheiro.

- O senhor tem razão.

- A senhora está me irritando. Preciso falar com um gerente, qualquer pessoa que resolva meu problema.

- O senhor deve procurar sua agência para saber o motivo do cancelamento.

- Eu preciso saber disso agora!

Todos no salão da agência olhavam assustados. Havia um sentimento crescendo em mim que apontava para uma crise de loucura. Podia ver aqueles terminais inúteis no chão enquanto continuava a chutar sem piedade, dando vazão a toda minha raiva.

- Eu compreendo o problema do senhor...

- Pára! Não compreende. Não sabe o quanto estou descontrolado e se tiver juízo não se identificará para sua própria segurança.

- O senhor...

- Me esqueça! Concentre-se no meu problema. Pense em algo que me dê paz de espírito e dinheiro para minha sobrevivência e a do seu banco que prometo explodir como um terrorista.

- O senhor pode fazer a reclamação, se quiser.

- O que a senhora acha que estou fazendo? Não discuto assim nem com minha mulher faz tempo. Estamos quase íntimos. Poderíamos estar casados e numa crise conjugal, embora tenha a sensação de estar falando com um robô que apenas repete a mesma coisa inútil.

- O senhor vai fazer a reclamação.

- Não! Vou tentar o suicídio...

- Eu compreendo o senhor.

- Como compreende um suicida? Será incriminada, julgada e condenada por omissão.

- Isso constará como reclamação. Qual o número de sua conta?

- 45!

- Como? 

- Esse é o calibre da arma que usarei para acabar com todo esse sistema e depois explodir meus miolos.

- O senhor tem mais alguma coisa a acrescentar?

Desliguei furioso o telefone e fiquei por alguns segundos olhando para o terminal que continuava a exibir o cancelamento de meu cartão. As pessoas, em silêncio, me fitavam com expressão de medo. Uma luz piscava para uma nova operação. Era o sinal verde para seguir. Uma senhora se aproximou e perguntou com voz trêmula:

- O senhor está bem?

Pensei em estrangular a velha mulher e assim colocar para fora toda minha fúria represada.

- Não me chame de senhor. Não existe senhor. Eu não existo. Estou cancelado. Meus dígitos desapareceram. Fui apagado da sociedade informatizada. Estou definitivamente excluído do mundo da computação e não possuo o direito de tirar um mísero centavo.

Abandonei a mulher estupefata que fazia o sinal da cruz repetidas vezes.

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