ROSA
BRANCA
Ana Terra
Não sei como nascem os ritos. Crio os meus. Há dias nasceu mais um: perfumar seu caminho de volta para casa com incenso de rosa branca. Desde então, faço isso todo início de noite. Acendo na janela e peço ao vento que leve o delicado odor até você. E espero.
Finais de dia. Horas tristes. Nostálgicas. Melancólicas. Cansadas. Retrospecto do que foi feito e o que se pretende do outro dia. Deveria ser um horário sagrado. Mágico. Momento em que rotina deixasse a alma livre.
Não sei se você gosta deste perfume. Mas ele te traz até mim. Recebo você em silêncio. Com um beijo casto na testa. Outro longo e infinito na boca. Deixo nossas línguas conversarem. Conversa de alma. Abro todos meus poros para te receber. Olhos nos olhos. Procuro o calor de suas mãos. Vejo seus olhos cansados. Sua boca selada.
Sinto sua chegada. Andando devagar. Seu corpo cansado. Nos seus olhos mergulho.
Sei que seu dia não foi fácil. Sua alma está quebrada. Acolho você. Com todo o carinho do mundo. O incenso queima na janela. José Ramalho canta suas orações.
Começo a sentir sua inquietação. Fome. Vontade de tomar um longo banho. Desejo de colar seu corpo nu ao meu. Deixo o silêncio fazer sua parte.
Meus lábios libertam os seus. Olho na janela. O incenso acabou. A chama vermelha virou pó. O perfume ainda está no ar.
Sopro as cinzas ao vento. Respiro o perfume que restou. Ouço o barulho do chuveiro. Deito e te espero. Sinal verde para a paz.
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