A CARTA
Ly Sabas

Osasco, setembro de 2003.

Querido amigo,

Você conhece todos os meus sonhos. Minhas tristezas e esperanças. Minhas angústias e anseios. Já secou minhas lágrimas e já riu junto, de muita bobeira. Apesar de tudo isso, vive afirmando saber somente até a página seis, do livro que desnuda minha alma.

Ultimamente a vida não tem sido muito boazinha conosco e, para falar a verdade, com quase ninguém. É tempo de luta e de trabalho forçado, quando já deveríamos estar desfrutando a vida, sem maiores preocupações, senão as que nos dessem prazer. Deveríamos trabalhar apenas para manter o cérebro ativo e não o bolso.

Ainda lembro bem de você, com um sorriso maravilhoso, dizendo que queria advogar sentado em uma mesinha em Porto de Galinhas. De sunga, gravata, óculos escuros e muita água de coco. Assim, puro prazer e desfrute. Mas, como bem me disse há tempos atrás, o mundo muda, a vida muda, as pessoas mudam, as ambições e os desejos são outros, e o tempo é de mudança. O indesculpável é que não foi para melhor. O que nos conforta, meu querido, é que a nossa coragem de viver e lutar é maior do que o comodismo. E assim vamos à luta.

Quantas vezes transformamos nossos desagrados em poesia? Ou afogamos nossos descontentamentos em personagens mirabolantes e cheios de criatividade, capazes de solucionar as vicissitudes do mundo? Somos almas sonhadoras, possuímos cor e música no sangue. Ainda conseguimos enxergar a beleza de uma garrafa azul vazia e podemos ficar horas conjeturando sobre de quem ela testemunhou a embriaguez. E exultamos de felicidade ao verificarmos que somos capazes de escrever um texto palíndromo. Em nosso mundo particular somos fortes e ingênuos, ferozes e delicados. Somos abnegados. 

E, acima de tudo, gostamos de massagear o ego um do outro. Com isso qualquer resposta de um recadinho, vira um tratado literário. Um encontro casual no semáforo, em uma exaltação a cor de meus olhos. A primeira participação em uma antologia, em diversos telefonemas elogiosos. E nunca é o bastante. 

Não conseguirei, por mais que queira, traduzir em palavras a emoção que sinto a cada poema que recebo de você. E nesses momentos só consigo despir-me de minha mal disfarçada vaidade e apenas cultivar o encanto de ser querida por alguém como você.

Ly Sabas

Para Luiz Antonio de Camargo

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