A VAIDADE DE JOSUÉ
Luiz André B. R. Cavalcante

Chama-se Josué, o nosso amigo, e sua maior vaidade (ou primeira) é não ter vaidade. Suas roupas são farrapos, seus gestos são humildes, sua voz é modesta e discreta. Como não podia deixar de ser, Josué possui a mais humilde das casas, a mais singela e desprovida de vaidade: mora debaixo da ponte.

Não fosse sua vaidade, Josué seria igual aos mendigos que lhe fazem companhia. Seria, a bem da verdade, mais um deles, com uma história mais ou menos assim: 

- Fulano nasceu de pai e mãe pobres, e tem mais quatro irmãos. Três dos irmãos passam o dia inteiro pedindo esmola no cruzamento, enquanto a mãe, com o moleque mais novo ao seio, passa o dia debaixo de uma árvore, supervisionando o serviço. O pai, esse é um ébrio contumaz, que não arranja nada porque é ébrio e é ébrio porque não arranja nada. O pouco dinheiro que consegue juntar, pedindo com ar humilde na porta da Matriz, bebe no boteco mais próximo.

Como dizíamos, não fosse sua vaidade, Josué seria igual aos mendigos que lhe fazem companhia, imerso numa história triste que justificaria toda a sua miséria. Mas a sua vaidade, que se traduz nas roupas, no tom de voz e nos gestos, é tributária de uma vaidade maior (ou sua segunda vaidade), essencial: Josué é filho de pais ricos, riquíssimos.

Abandonou a casa paterna quando uma noite, num sonho, apareceu-lhe uma mulher (era muito bonita e doce, com uma voz suave e uns olhos brilhantes) que, tocando-o na fronte, disse:

- Josué, tu nasceste para servir. 

A mulher falou desse jeito mesmo, usando a segunda pessoa do singular, num português corretíssimo. No dia seguinte, sem dar satisfação aos pais e aos irmãos (tinha dois), Josué saiu de casa com uma trouxa de roupas, emprestadas do filho da empregada.

De fato, Josué serve: 1. cuida dos filhos dos mendigos; 2. sai pra pedir comida (quando ninguém mais tem vontade ou paciência); 3. enfrenta sozinho a meganha (quando ninguém quer enfrentar); 4. cede seu lugar no papelão (quando um novo mendigo chega e pede abrigo).

Josué planeja fazer e servir muito mais, e até já elaborou uma lista, cheia de reivindicações, que será apresentada à prefeitura da cidade. Duas comunidades o apóiam: a do Viaduto Central e a da Ponte da Laranjeira. Que se saiba, é a primeira vez que mendigos se reúnem numa espécie de associação. 

Muitos já tiveram oportunidade de declarar: Josué é vaidoso e quer parecer santo (sua terceira vaidade). Talvez tenham razão. Não seria mesmo difícil afirmar (e já há uma porção de gente pensando nisso) que na verdade o que Josué quer é construir uma carreira política. O caso é que Josué, despojado de toda a parafernália de gestos, roupas e atitudes vaidosas, é uma incógnita. 

Josué já virou notícia. Sua vaidade, que começou simples, está ficando cada vez mais ornamentada. Aos desconfiados, Josué responde:

- Por que eu quereria virar notícia ou ser político? Não me basta a riqueza dos meus pais?

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