VAIDADE, TEU NOME É MULHER
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães

Naquele tempo eu ainda me submetia resignado aos caprichos de Cleusa. Esperar enquanto ela se empetecava exigia um verdadeiro exercício de paciência. Era com uma pontinha de sarcasmo - notei depois de um certo tempo - que ela me chamava de Jó. 

"Por quê Jó se me chamo Zacharias?"

"Tudo nome bíblico. Zebedeu, Zacharias, Jó, Melquisedeque... Que diferença faz?", ela ria dissimulada. 

Eu tenho cá minhas dúvidas se era verdade que ela já tinha freqüentado alguma desses inúmeros templos evangélicos que proliferam em abundância na nossa periferia. No fundo ela zombava mesmo da minha principal virtude.

Nem tudo era tão ruim nessas extenuantes esperas. Quando passava futebol na TV, por exemplo, eu nem percebia a hora passar. Porém, se por milagre, ela conseguia se aprontar antes do apito final, se irritava dizendo que eu prestava mais atenção no jogo do que no novo modelito que ela estava estreando, ou no par de brincos que ocultavam-se quase imperceptíveis sob o penteado.

As vezes jogava paciência, mas aquilo também acabou me enchendo. Decidi então aprender a fazer dobraduras japonesas. Aliás, o Origami, para mim, tornou-se um vicio, uma verdadeira obsessão. Enquanto Cleusa retocava a maquiagem, por exemplo, eu era capaz de fazer revoadas inteiras de grous, cardumes de peixes coloridos, orquidários, zôos... Cleusa não via com bons olhos aquela minha estranha mania. Desconfio que foi por causa daquela vez que eu transformei seu diploma de cabeleireira em uma bela de uma caravela portuguesa e quase a matei de raiva.

Uma vez tive uma idéia brilhante: Antes de sairmos para uma festa de casamento, sem que ela percebesse adiantei todos os relógios da casa. Pela primeira vez chegamos cedo a algum evento. A tática mostrou-se eficiente até que um irritante programa de rádio pôs tudo por água abaixo e Cleusa indignada fez-me prometer nunca mais mexer nas suas coisas. 

Um dia minha paciência acabou. E o amor também. Rasguei as dobraduras, fiz minha mala. Cleusa, pela primeira vez desde que estávamos juntos, interrompeu a aplicação dos cremes hidratantes e pediu para que eu ficasse.

"Eu te amo", ela disse, olhando-me através do espelho.

E eu entendi que não era comigo. Que ela amava era a si mesma. Sua vaidade havia estragado tudo.

Uma lágrima desceu pelo seu belo rosto esculpido pelas mãos de um famoso cirurgião plástico e desmanchou sua maquiagem. Mas eu não me senti culpado.

Na minha ausência, eu sabia, ela iria chorar muito mais, ficar depressiva, comer compulsivamente barras e barras de chocolate e engordar muitos e muitos quilos.

Mas logo um novo amor faria com que me esquecesse. E ela entraria num regime rigoroso, se submeteria a outra lipo, começaria a malhar pesado numa academia e recuperaria o corpinho ideal e a auto-estima. Estaria pronta para outra. 

Outra prova para o "paciente da vez".

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