VAIDADE
Ana Luísa Peluso
Ela, às vezes, gostava de ficar suja. Dias e dias sem tomar banho, cabelos engordurados, cheiro de pele, cigarro, incenso, sexo e tempo. Ela se sentia bem suja, e isso não havia como explicar para as pessoas, por isso nem tentava. Tomar um banho agora significaria perder a sensação da "verdade" que a sujeira lhe dava. Ficaria cheirando à sabonete e desodorante e não seria mais ela mesma. Seria alguém perfumado com sabonete, desodorante e vestido com roupas mais limpas.
Apenas isso.
Esse "apenas isso" incomodava mais do que as satisfações que ela tentava dar à si mesma, quando alguém questionava esses períodos que ela passava sem banho. Lembrou-se de quando tomava dois banhos por dia. Nos dias em que o traiu, limpa, cheirosa, em suores e odores tão comuns como os de agora.
A vida não valia um banho. A vida não valia nada além dela mesma, e ela não conhecia o valor exato da vida. Por isso transpirava questionamentos por todos os poros. A sala estava suja também. De pensamentos, pó e gordura e não sentia a mínima vontade de limpá-la. Batia seu próprio recorde: doze dias sem tomar banho, sem limpar a sala. Doze dias de pura sujeira beirando sua existência, assim, de fora.
Além de tudo, estar suja lhe dava a sensação de rendição. Não se importar tanto com sua aparência lhe causava bem estar. Um certo desapego. O que mais a atordoava era saber que só era conhecedora das verdades, quando suja. Ela o havia traído tantas vezes, e em todas elas, estivera sempre tão limpa, que não restava mais dúvidas de que estar limpa era um excelente atributo a ser apresentado quando a questão era moral. Ninguém desconfia de uma pessoa limpa. Por isso não tomaria banho hoje de novo. Talvez nem amanhã ou nunca mais. Ou tomaria quando sentisse vontade.
Se sentisse.
Relaxou. Curtiu a sujeira. Bolinou suas partes meladas durante toda a tarde, enquanto acendia um cigarro no outro e um incenso no cigarro. Fedeu. Sorriu. Lembrou.
Às seis em ponto recebeu um telefonema. Ele havia morrido de maneira inusitada e dramática. Foi encontrado na cama da amante pelo marido da amante. Levou um tiro na testa. Logo começaria o velório, uma tristeza. Consternação geral entre amigos e familiares.
Desligou o telefone e lembrou-se dele há alguns anos atrás; os últimos anos que passaram juntos e ela o traía, limpa e cheirosa. Sorriu. A vida não valia um banho, muito menos a morte, mas resignada seguiu para o banheiro e viu escorrer pelo ralo a recente verdade dos últimos dias.
Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.