BORBOLETAS
II
Raymundo Silveira
Quando
criança costumava caçar lagartas, pois tinha a curiosidade de um pequeno
cientista. Diziam-lhe que um dia ele teria uma grande surpresa, pois daquelas
lagartas surgiriam várias borboletas. Mas ele era muito desconfiado: "só
acredito se eu vir", costumava dizer. Sua desconfiança tinha razão
de ser. Já lhe haviam dito que sementes viravam plantas, ovinhos viravam
pássaros e que homens viravam lobisomens. Mas ele jamais havia testemunhado
algo parecido com aquilo. Mesmo assim, cultivava suas lagartas em vidros
incolores e transparentes. Punha folhas para lhes servir de alimento e
permitia a entrada de oxigênio através de pequenos orifícios na tampa
do frasco. Apesar de toda esta dedicação, nunca fora capaz de ver alguma
borboleta sair voando de dentro daqueles vidros. Mais tarde, quando adolescente,
contaram-lhe que sonhos viravam realidade. Continuou desconfiando de tudo,
mas nunca perdeu a esperança. Agora, depois de homem feito, alguém veio
lhe contar que esperança virava felicidade. Quatro
são as estações do ano! Contudo, nunca abandonara as suas lagartas. Ainda que desconfiado como sempre, esperava um dia vê-las transformadas em borboletas. Continuava a alimentá-las, a cuidar para que nada lhes faltasse; zelava pelo seu biotério larvar como se fosse parte dele mesmo. Apesar dos seus versos que falavam da transitoriedade da vida, aquele "inverno" metafórico parecia tão distante que era como se nunca fosse chegar. O seu "verão" fora sufocante e abrasador. Sua "primavera", nunca foi suficientemente florida. Os cardos feriam muito mais do que o prazer proporcionado pelo colorido, pela beleza e pelo perfume das flores. Seu "outono" jamais se aproximou de algo assemelhado ao Paraíso; pelo contrário, o fenecer das flores e o desfolhamento das plantas, lhe sonegavam cada vez mais as cores das suas larvas, as quais sequer atingiram a fase de imago. Acabara de uma vez por todas o verde da sua esperança. E o "inverno" implacável chegou muito mais depressa do que ele imaginara. Nunca as suas lagartas viraram borboletas, como ele desconfiava. Certo dia, numa manhã particularmente cinzenta, fria e chuvosa, foi ao encontro delas. Mas todas estavam mortas. |