O
DIA DA
BORBOLETA
Marsal Sanches
Lúcio não
acreditava que borboleta fosse um sinal de morte. Aquela coluna sobre
misticismo, publicada toda quinta-feira no jornal, havia abordado o tema
certa vez. Alguém tinha visto uma grande borboleta preta pousada na varanda
e, algumas horas depois, recebera a terrível notícia: um parente havia
falecido.
-Tudo conversa mole! Não, ele não acreditava nessas bobagens. Engenheiro de formação, tinha certeza de que para tudo existia uma explicação lógica. Coincidências aconteciam. Na hipótese de que a suposta estória da borboleta fosse real, seria possível calcular a probabilidade de aquilo acontecer por acaso. Raciocínio probabilistico. Uma simples formula matemática, e pronto. Matemática, por sinal, era sua maneira de enxergar o mundo. Estava sempre pronto a debater questões espirituais com quem quer que fosse. Fantasmas? Ilusão de ótica. Tarô, búzios? Coisas inventadas, para tomar dinheiro dos mais desavisados. Nada era capaz de prever o futuro. Crença religiosa? Casara-se na igreja a contragosto. A noiva fizera questão. O casamento havia durado poucos anos. A esposa alegava que Lúcio era muito materialista. Não fizera questão nenhuma de batizar os filhos. Nunca ia à missa. Não estimulava as crianças a adotarem qualquer religião. -Eles que decidam quando tiverem 21 anos. O diagnóstico, seis meses antes, não havia mudado sua atitude. Tão logo o médico terminara de ler, impassível, o resultado do exame, Lúcio havia perguntado sobre as porcentagens de cura. Vinte por cento? Trinta? O médico apenas abanara a cabeça e desviara os olhos. Meses. Com sorte, talvez um ou dois anos. Sorte. Não podia contar com a sorte. Tampouco iria em busca de consolo e esperança em alguma igreja. Sua barganha seria com a ciência. Procuraria outros especialistas. Outras formas de tratamento. Cumpriria todas as instruções, à risca. Se preciso, iria para o exterior. Aceitaria se tornar uma cobaia de algum cientista norte-americano, ávido por um prêmio Nobel. Qualquer tentativa seria válida. -A medicina está cada vez mais avançada, com certeza deve existir algum tratamento novo. Agora, naquela manhã de terça-feira, sentia-se fraco. Não achava que o tratamento estivesse produzindo qualquer melhora. Mas sabia que assim era a ciência. Os efeitos variavam. Algumas pessoas melhoravam, e outras não. Tempo. Era preciso tempo. As descobertas na medicina eram lentas. Ele entendia tais limitações. Só não entendia como aquela borboleta havia conseguido passar pela janela, protegida com tela, e aterrisar na parede do quarto. Uma borboleta grande, azul escura. Nem entendia porque ficara tão ansioso ao vê-la. Como uma criança em seu primeiro dia de aula. Como alguém prestes a fazer uma longa viagem, da qual não sabe se vai um dia retornar. Tentou chamar a enfermeira, mas ela parecia não ouvi-lo. O tempo havia acabado. Aquele era o dia da borboleta. |