VANESSA
Márcio Benjamin Costa Ribeiro
-Mãe... A sombra da menina aparece ao pé da cama, puxando uma velha boneca, encoberta pela luz que sai da porta. A mãe esfrega os olhos sonolentos e pega o relógio do criado-mudo. Duas da manhã. -Meu amor, vá dormir. O que você está fazendo acordada esta hora? -Eu não consigo dormir. -Claro que consegue, minha querida. É só fechar os olhinhos. -Não -Por quê? -Tem muito barulho. -Barulho? Mas a rua está silenciosa, meu anjinho. -Ele fala muito. -Ele quem? -O homem do meu quarto A mãe sente o coração bater rápido. Muito rápido. -Você sonhou, minha querida. -Não, mãe, ele disse que não era sonho. Pediu pra gente sair de casa. Agora. -O que ele te falou? -Ele fica só repetindo. Dizendo pra gente ir embora. Pra gente sair daqui. Da casa. Ele disse que vai acontecer uma coisa feia. A menina ensaia um choro. A mãe levanta o cobertor e a senta na cama. -Vem , meu anjo. Sobe. Pronto.Você não vai sair daqui. Mamãe vai olhar no teu quarto. Vai acender a luz. E vai te mostrar que não tem homem nenhum. -Não tem mais mesmo. Ele foi embora. Ele disse que você não ia acreditar. Ele me falou. -Não saia daqui, Vanessa. -Tô com medo, mãe. -Você não precisa ter medo. -Ele disse que te conhecia. Conhecia. Na época, a mulher tinha a mesma idade da filha. Suas estórias assombravam toda a vizinhança. Os animais arrepiavam-se quando ela passava. Ouvia vozes. Acordou chorando na noite em que seu pai morreu num acidente de carro. -Ele disse que conhecia o meu quarto. Que eu era muito parecida com você. -Vamos dormir. -Não, mãe, a gente tem que sair daqui. Ele disse que ia acontecer uma coisa muito feia. Ele disse que se você não acreditasse eu corresse. Pra longe. E não olhasse pra trás. Ele disse que eu podia morar na casa da tia. Eu não quero ir sozinha, mãe. -Vamos pro seu quarto, Vanessa. Eu vou te mostrar que não tem nenhum homem lá. A menina levantou a cabeça e segurou a boneca com força. -Não tem, mãe. Ele está atrás de você. A mulher não precisou se virar . A sombra das grandes asas , como as de uma mariposa, cobria a parede do quarto. As sirenes da ambulância e da polícia iluminavam toda a rua. As pessoas apareciam de todos os lados. De pijamas, enroladas em lençóis. A explosão de gás foi ouvida em todo o quarteirão. A casa foi quase toda destruída. Não entenderam como a menina pôde se salvar. Só por milagre. O guarda sentiu um leve puxão em seu casaco. Era a menina. - Vão embora – disse ela chupando o dedão e esfregando o indicador no nariz. Aconteceu uma coisa muito feia na ponte. |