O PARADIGMA
DA BORBOLETA

Luciana Priosta

Impossível ser íntimo o bastante de qualquer casal para descobrir que aquela perfeição toda derramada aos beijos e risinhos no balcão da padaria evapora-se na disputa pelo último bico de pão. Casal perfeito é apenas humano. Portanto, imperfeito. O casal perfeito briga pelo controle remoto. O casal perfeito, de agora em diante chamado CP, às vezes até transa sem gozar. Mas para a gente que quer acreditar a todo custo, é o CP e pronto. Mesmo que ele lhe enterre umas duzentas vezes uma faca de cozinha no peito dela, é CP. Eles são CP até em sua tragédia. O CP é inspirador. De inveja. Verdadeiros modelos teóricos de relacionamento perfeito entre os sexos. Por isso ninguém quer acreditar que não sejam CP. Mas a teoria na prática é sempre outra. A molecada da rua acampa no quintal para ouvir os urros e gemidos que avançavam noite adentro. Os urros e gemidos são do pobre Totó com dor de dente, mas a imaginação... Afinal, trata-se de autêntico CP, simplesmente não pode ser o Totó! 

No duro, no duro, o CP não existe. Eu sei, eu sei, é triste admitir, mas não existe. O que não significa que não existam casais felizes, que podemos chamar de CF. Estamos entrando em outro campo da discussão. Ser um CF não é ser CP. Mas deixemos a felicidade de lado pois estamos tratando aqui de modelos que idealizamos e vivemos “infelizes para sempre” tentando alcançá-los. Encontrar um PE (príncipe encantado) para formar o mais CP dos CPs é o que sonhamos para nossas vidas desde que tínhamos 5 anos. Aos 5 anos de idade temos toda a maturidade emocional para planejarmos o resto de nossas vidas, certo? 

Não dá para passar a vida com inveja de CPs ou pior, os CMQPs (casais mais que perfeitos: nesta categoria podemos incluir FHC e Ruth, Prestes e Olga e Julia Roberts e Richard Gere). Correndo atrás de CPs a gente perde o bonde da felicidade que tá passando ali, bem na esquina. Não adianta perguntar por que ele não é como o marido da fulana porque ele já é igualzinho ao marido da fulana. Cheinho de defeitos. O CP é um conceito, um plano do governo, uma receita de bolo, uma luz cósmica, um sinal divino, sei lá. O CP pode ser tudo menos real. Se for real, não é CP. E se for CP, não é real.

Dizendo de outra maneira: CP só em histórias da Carochinha. E mesmo assim, ninguém nunca contou a história depois do “felizes para sempre”. Acho que na vida real seria mais ou menos assim:

Foram majestosos os festejos pela união de Branca e seu PE (se alguém souber o nome do tal Príncipe Encantado por favor escreva-me). Todos os súditos caindo de bêbados, entupidos de comida e exaustos foram embora para outro conto fazer figuração na festa de casamento de outra gata borralheira qualquer. Então, eis que começa o “felizes para sempre”. Ela, linda, linda, branca como a neve que nunca vi por este país quente dos diabos, prepara-se para sua noite de núpcias:

- O que é essa coisinha pequenininha aí no meio das suas pernas?

- Séculos de esteróides e anabolizantes. Tá achando que matar dragão a unha é fácil, fofa? Haja esmalte, céus! 

E o príncipe vira uma linda borboleta rosa e borboleteando sai pela janela.

Eu, hein!

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