TALISMÃ
Eduardo Prearo

Creio que não havia viva alma dentro daquela mata úmida, de pequenos pântanos oleosos. Aproximei-me devagar da cachoeira e pus a mão naquilo que mais parecia uma ducha gigante; a água estava gélida. Tentava encontrar alguma borboleta, mas só me deparava com ninfas, centenas de ninfas num vale ainda claro, momentos antes do pôr-do-sol, um vale apavorante. Fiquei em silêncio, evitei falar sozinho como de costume; agarrei meu amuleto e fui mais longe, adentrei nalgo inconsciente, estava de repente encapsulado, quase alado, quase pronto para voar. Precisava já de néctar. Rosas, lírios e hortênsias maravilhosos, mas só na imaginação. Com minha tromba sugarei flores sem pétalas pra pouso, todas as florezinhas que encontrar; minhas asas serão as mais afrodisíacas, as mais lindas...Conscientizei-me que sempre fora larva, que crisálida era condição nova, fabulosa. A lua raiou, a noite estava estrelada. Aos deuses entreguei a ânsia que precedia a alegria da manhã, ao alvorecer um furioso grito de libertação. Voei com asas coloridas, asas carmim, asas ricas, que bichinha riquinha, voei e voei por todo o vale. Seria irreversivelmente borboleta, não fosse alguém me acordando, não fosse o amuleto se espatifar num chão de pedra.

 fale com o autor