PEDRA VERDE
Beto Muniz

 
 
Parecia uma pedra de esmeralda, mas havia ainda alguma dúvida.

O sonho, tão real, mostrava o corpo verde do inseto ladeado por asas douradas. Uma jóia quase imperceptível na lapela do vestido preto. Em seguida abria-se o plano visual. Primeiro um ombro, o esquerdo, branco. Depois o pescoço, fino, e o rosto bonito, jovem, alvo, contrastando com o vestido sem outro enfeite que o broche. Tantas vezes se repetira o sonho que até havia decorado seus detalhes: os lábios sem batom eram róseos e os olhos, dum castanho escuro, se apertavam formando pequenas rugas nos cantos. A moça não falava, apenas sorria seu meio sorriso de olhos semi-cerrados e aguardava de pé, segurando uma bolsa branca com as duas mãos como se fosse um pequeno escudo lhe protegendo o umbigo. Então acordava.

Um dia, num pequeno restaurante, reconheceu a porta. Tantas vezes a vira em detalhes nos sonhos que se aterrorizou diante do reconhecimento. Um arrepio correu pela espinha congelando todos os sentidos, à espera da aparição. Possível que enfartasse se naquele instante ela surgisse tal como fizera tantas vezes em sonhos. Por obra do destino a porta não se abriu, porém, daquela noite em diante, esperou. Sempre na mesma mesa, de frente para a entrada, pronto para reconhecê-la.

Os sonhos não pararam e obcecado pela promessa de encontro tornou-se cativo da espera. Nas noites ela surgia, como sempre, e sempre. Já se percebia o efeito dos anos na mulher que não vinha. Apenas o vestido e o broche pareciam não sofrer ação do tempo. Seus lábios às vezes estavam pintados, como as unhas e, no entanto, era evidente que ela não se dava a esses caprichos com regularidade. Ficava bem usando alguma maquilagem, só parecia não gostar. Os cabelos, às vezes crescidos e noutras cortados, com o tempo deixaram de ser negros e se tornaram grisalhos. Com o passar dos anos, a espera se transformou num ofício. Comprou o restaurante e ampliou as possibilidades de encontrá-la.

Apaixonou-se por diversas vezes, porém, se preciso fosse, desapaixonaria imediatamente. Pronto para entregar-se àquela que desde sempre surgia na entrada do restaurante e sorria. Nenhuma palavra, apenas uma expressão de "Finalmente!" impressa no rosto. E ela viria. Por anos essa esperança foi tudo que possuiu. Certamente desistiu algumas vezes, entretanto o sonho se repetia noite após noite não deixando que abandonasse aquele lugar para viver outra vida.

Passaram-se os anos, os filhos, possibilidades diversas e apenas o sonho não passou. Continuou esperando, aguardando até o fim. Até o dia em que ela chegou.

Sem alardes, ela o fitava. Como em seus tantos sonhos ela estava de pé sob o umbral, mãos à frente do corpo segurando a pequena bolsa branca. Braços nus, ombros à mostra, pescoço fino e pele branca contrastando com o vestido preto, sem outro enfeite além da pequena borboleta de corpo verde e asas douradas. Quantas vezes a cena se repetira exatamente como agora? Não seria outra repetição? Piscou, beliscou-se, mas a senhora com pequenas rugas nos cantos dos olhos, e ainda bela como sempre fora em seus sonhos, continuava ali, sorrindo o meio sorriso de olhos semi-cerrados.

Estranhamente calmo, com o coração apaziguado pela promessa cumprida, encaminhou-se para ela, pegou sua mão e conduziu-a à sua mesa, seu ponto de espera. Não houve palavras, nem resistência. Os dois se olharam longamente, ternamente, e ela disse que daquele ponto em diante nunca sonhara. Ele concordou com um movimento de cabeça e sorriu quando um brilho ligeiro passou pelas asas de ouro da borboleta ofertando a primeira de tantas certezas futuras: era, sim, uma esmeralda.
 
 

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