CASO PERDIDO
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães

Some-se aos sete anos de azar por quebrar o espelho de Alice uns tantos outros por sacrificar o gato de cínico sorriso e teremos um caso perdido. No caso, eu próprio.

Nunca ganhei na loteria, no bingo, nas rifas das quermesses da paróquia do padroeiro São Sebastião. Nunca ganhei o amor de Alice. Por isso mesmo a vingança.

Adelaide que - para o meu desgosto - era doida por mim, juntou os cacos espelhados e revestiu um vaso de argila que no futuro tentaria quebrar no meu cocuruto sem motivo aparente.

Ah senhores, como lastimo o dia em que decidi fazer um tamborim com o couro daquele felino. E a infeliz idéia de persegui-lo por sobre o telhado do casario antigo que me fez desabar dentro da camarinha de Alice e despedaçar o refletor da sua pálida nudez com que eu sonhava todas as noites.

Azar no jogo, dizem, sorte no amor. Mentira. O amor que tive foi o de Adelaide, a chapeleira. Amor insano e perigoso. Amor de dedos cortados, de facas afiadas e olhos vidrados sem brilho.

Num dia internei Adelaide em um manicômio em Juiz de Fora; no outro não consegui dissuadir Alice de partir para os Estados Unidos. E fui envelhecendo, carregando a frustração der nunca ter aprendido tocar tamborim. 

O espelho, em seus mil fragmentos, permanece sobre a mesa de mogno escuro. Vez por outra subtraio flores dos túmulos do Cemitério Municipal e coloco no vaso de argila - alegra-me sentir as cores desbotando e os perfumes desvanecendo.

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