NO CÉU AZUL
Raymundo Silveira

Sempre senti um fascínio maior diante das obras de arte criadas pelos humanos do que das maravilhas da natureza. Isto não quer dizer que não fique deslumbrado por estas últimas. Todavia, as emoções que experimento perante uma e outra, são diferentes. Sinto uma dificuldade de expressar certos sentimentos, mas penso que este será mais fácil. Da natureza, sempre esperei o melhor. Quem nasceu e cresceu em meio a uma paisagem desoladora como é o sertão nordestino durante uma seca, não deixa de se sentir extasiado perante os Dolomitas. Mas se trata sempre de algo que já era esperado, principalmente por quem, como eu, está habituado a testemunhar verdadeiros milagres operados pela mãe natureza, como é o caso do fenômeno da fecundação e do desenvolvimento de um embrião. 

Quanto às obras dos humanos, nunca havia testemunhado nada sensacional. Pelo contrário, até a minha primeira viagem à Europa, jamais tinha tido o prazer de conhecer algo muito especial executado pelas mãos dos homens. Não vou repetir cada emoção que senti desde Portugal até a França - o primeiro e o último país a serem por mim visitados. Irei me limitar a dizer o que experimentei ao presenciar a maior de todas elas que, no meu entender, é a Capela Sistina. Nas duas ocasiões em que lá estive, fiquei impregnado por dois sentimentos contraditórios: orgulho e desconfiança. Orgulho, por imaginar que tamanha maravilha tenha sido concebida por alguém semelhante a mim. Desconfiança, por duvidar seriamente disto. Por outras palavras, não fiquei plenamente convencido de que o criador daquilo tenha pertencido, de fato, à espécie humana. Portanto, os tesouros artísticos representam para mim aquilo que, de fato, dá sentido à existência. Sobretudo, depois que li numa revista semanal o artigo de um jornalista brasileiro que mora em Veneza, ao tentar subestimar aquelas maravilhas: "Se um terremoto abalasse a Europa tudo aquilo desaparecia subitamente". Fiquei tão apavorado que até esqueci de escrever para ele: "E se menos da metade do arsenal atômico da Rússia e dos Estados Unidos explodisse, certamente não sobraria nenhum idiota para escrever isto que tu escreveste, nem para contar a história de que, de fato, existiram um dia, e nem como eram antes".

Não era, porém, de artes plásticas que eu queria falar hoje, mas sim de outra maravilha criada pelo homem e que também me fascina - o avião. Este meio de transporte não está para mim assim como a Internet, por exemplo, que embora "milagrosa", não passa de um instrumento de trabalho, de comunicação, de diversão. O avião representa a ânsia de voar que sempre me acompanhou. Meu primeiro vôo aconteceu em Dezembro de 1968. Tratava-se de um DC3 destinado primordialmente a carregar pára-quedistas. Não havia sequer assentos, a menos que se considerasse como tais, tiras de lona dispostas paralelamente à fuselagem. Mesmo assim adorei voar. Durante a década de 1970 viajei muito. Já havia ascendido à pequena burguesia e voava, confortavelmente, levado pelas asas de modernos Boeing. Foi durante aquele período que conheci quase todo o Brasil, além do Uruguai, do Paraguai e da Argentina. A minha epopéia transoceânica teve início em Agosto (mês de muito bom gosto), de 1980. De lá, até Outubro de 2002, cruzei nada menos de dezoito vezes o Atlântico, considerando-se as duas travessias de cada viagem. Sem contar os meus deslocamentos em "asas duras" - como dizia um companheiro de viagem - dentro da própria Europa e do Oriente Médio. 

Ao encerrar agora, esta minha pequena homenagem a estes "pássaros de prata", experimento a mesma sensação que me vem quando estou retornando de uma das minhas maravilhosas viagens. Fecho os olhos e repasso na lembrança uma a uma. Procuro, propositadamente, um dia, uma hora, um minuto, um segundo de desagrado e não encontro. Cada segundo, minuto, hora e dia em que estive viajando foi, portanto, de prazer quase infinito. Abro novamente os olhos e fito diante deles, a aeronave da minha primeira viagem. Imagino-a repleta de todas as emoções que vivi e a aprecio com um misto de enlevo e de ternura. Acompanho-a enquanto taxia para a cabeceira da pista. Acelera as turbinas e arremete vertiginosamente para o alto, alçando vôo como se fora uma gigantesca ave de metal carregando consigo quase todos os sonhos da minha juventude enfim concretizados. Serenamente, sobe, sobe, sobe e vai ficando cada vez menor. Um aeroplano pequenino, uma mancha no firmamento, um pontinho no horizonte. Até sumir completamente no céu azul.

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