HEMÓLISE
Márcio Benjamin Costa Ribeiro

As mãos do homem apertavam sua garganta. Todos os dez dedos munidos de uma força sobre humana, apenas notada em indivíduos fora de seu juízo normal ou sofrendo uma descarga irreal de adrenalina. O médico já estava ajoelhado em frente ao paciente. Procurava a todo custo empurrar as mãos que o pegavam. Mas, àquela altura, parecia impossível. Não tinha forças sequer para levantar-se. Foi inúmeras vezes avisado. Não se aproxime muito. E nunca, nunca desamarre antes do remédio. A medicação deve ser dada na hora certa. Impreterivelmente. O último conselho talvez tinha sido o responsável. Já passava das dez da noite e o paciente tinha de tomá-la. Era trabalho do enfermeiro, que não estava. Além do mais, ele era novo como médico. Queria fazer tudo certo. O paciente estava tranqüilo naquela noite. Sentado na cama. Tinha quebrado metade do quarto à tarde. Teve de tomar a medicação na veia. Foram quatro enfermeiros pra segurar. Quatro homens fortes. Mas agora estava bem. Estava tudo bem. Boa noite, seu João. Trouxe o remédio. Isso, remédio. Abra a boca. Ele olhou firme para o médico com seus grandes olhos de cachorro. E estendeu a língua à espera das pílulas. O médico as pôs em sua boca e esperou o tempo exato para que fizessem efeito. Pronto, seu João. Acho que o senhor não quer dormir amarrado, né? Não, ele não queria. O médico o desamarrou enquanto as pílulas não engolidas rolavam em sua boca...

Os olhos do médico estavam quase se fechando. Não tinha mais forças. Lembrou-se das aulas da faculdade. Talvez o branco dos seus olhos estivesse ficando vermelho, por causa do sangue estancado. Seu João começou a rir. A baba lhe escorria pelo queixo e molhava uma boa camisa branca. Talvez estivesse mudando de cor, pela falta de oxigenação do sangue. Seu João ainda ria. Nunca tinha visto uma pessoa azul. 

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