A POLTRONA AZUL, O HOMEM DE
VERMELHO E O PILAR AMARELADO

Luciana Franzolin

A canelinha e a renda portuguesa romperam a imobilidade de meses não podendo compartilhar com o sofá alaranjado e as poltronas azul e verde água o prazer de um céu sem nuvens, um sol sem cortinas e o ar sem o cheiro dos livros sem capa. 

A santa anônima na caixinha com flores de fuxico permaneceu inerte. A ela, nada tocava a não ser um profundo sentimento de culpa e pecado, e isso naquele lugar não existia. 

Entre a pomba de argila e o cinzeiro de latão, o que imperava era a letargia. Os espelhos refletiam filmes de dias e noites estáticos, somente o variar das luzes que mudam as cores da poltrona azul, do homem de vermelho e do pilar amarelado. 

A cama era do mesmo algodão elástico e a ducha grande e redonda esvaziava primeiro as águas paradas do encanamento, frias, depois o vapor surgia ignorando os livros que continuavam em estado de decomposição. 

Uma traça acabava de morrer enquanto seus cem ovos eclodiam e já era possível enxergar através das capas. A mulher do chuveiro não se importou com toalhas e deixava uma poça a cada passo, que o chão absorvia como se não chovesse há anos, quase lhe sugando os pés.

Todos os lugares foram observados por olhos estourados, com pupilas dilatadas. Os poros nada diziam e os cabelos mal cortados desenhavam-se em serpentes que brigavam por um lugar nas costas brancas e relevo das costelas.

A cadeira de balanço e a escrivaninha disputavam espaço com uma lâmpada gigante que refletia côncava a realidade circundante, sem saber que o fazia deformando todas as proporções.

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