ZÉ
Juraci de Oliveira Chaves
As folhas do cafezal tremulando saúdam o vento. Uma vastidão só. Perde-se de vista. Lindo demais para qualquer olhos mirantes. Verde contagiante, matizado, contraste com o azul do céu. Não se percebe o trabalho que deu para um bando de ânus migrantes, para o sol, mãos de calos grossos fincadas na terra.
Do barraco de palha, Zé se aquieta e observa. Chapéu panamá preto-fubacento pelo uso, escondia até a testa queimada pelo serviço sol a sol. Dá um tapa na saudade acariciando a barba rala. Suga o cigarro de palha, com fumo de rolo, secado no varal de embira, mesmo espaço onde seca o lençol encardido pela poeira vermelha, a calça remendada e a camisa de festa e trabalho. Peito lanhado, chora escondido até dele mesmo, "homem não chora" - repete para si. Pudesse ia embora, prolongar o cheiro na mulher amada que sempre o espera. Saiu de casa o pequerrucho ainda não sabia falar "papá". Infla o peito ainda mais, pela ausência, abre a carteira volumosa, nada de dinheiro, só fotografias. Pega aquela com pintas de ferrugem a bloquear os contornos dos olhos lindos e cabelos encaracolados. Contorna com o indicador os lábios grossos. Beija-os. Sente arrepios por todo o corpo, ouve sussurros da Ana, debaixo da velha aroeira à beira do riacho preguiçoso. Sabia que estavam lá, no velho tronco, cravado em corações, as flechas de juras do amor eterno entre os dois, promessas de que nunca se separariam. Agora separados pelo plantio do cafezal.
Precisava voltar para casa ou buscar a família. Tinha pressa. Ia já, largaria tudo ou todos juntos.
Um olhar anuviado o retorna à razão:
- Voltar como? E a colheita? Buscar como? Para onde? No local não é permitido construir casas, só choupanas, barracas para uma safra, ranchos pouco duradouro.
Era sempre assim, toda safra. Zé procura uma saída e não encontra. Pega a ferramenta e volta para o verde. Lucro na certa pela abundância de chuva. Era uma das melhores plantações da região. Tinha cabeça para plantio, sorte danada a sua. Mas, o pensamento ligado no desafio, não sabia o que fazer:
- Vou tirar duas semanas de folga, o mato espera, a chuva agora demora, dá tempo. Converso com o compadre Pedro para passar o olho no cafezal, pra mim. Amigo é amigo.
Tomada a decisão, retorna para o rancho, arruma a mala, espera a hora de ir para o ponto, a esperar pela primeira carona que encontrar para o Recife. Deixaria Minas para trás, sem saudades. Estava ali por necessidade. No olhar um brilho de satisfação. Muito tempo sem ver a família, sem abraçar a Ana. Lembra de cada traço, cada gesto, cada beijo. A alegria deseja apressar o encontro.
Quando já estava de saída, recebeu a visita de um encarregado que lhe trazia uma correspondência. Era da Ana:
"Zé, não precisa voltar. Vou me casar, no civil, com o Paulo, nosso amigo. Ele está sempre presente. Me sentia sozinha e ele preencheu o vazio deixado por você. Espero que encontre uma companheira aí no cafezal. Aliás, sei que já encontrou.
Abraços da Ana."
Zé não acredita no que lê. Olha para o mensageiro e quase não lhe responde o até logo.
Desfaz a mala e suas saudades. O orgulho de macho é maior.
- Amigo nem sempre é amigo - desabafa.
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