INSENSATEZ NO TRÂNSITO
(E UMA LEI QUE "NÃO PEGOU"

José Luís Nóbrega

Possuía um Mercedes de última geração, 4.2 – 24v.

Era um homem pacato, de bons modos, mas quando montava em seu possante algo lhe tomava. Era como se o veículo ativasse em seu subconsciente uma segunda personalidade.

Dentro do seu carro transformava-se em dono do mundo. Era como se todos os demais seres inferiores tivessem que se curvar sobre o ronco poderoso do motor.

O símbolo de sua Mercedes-Benz, colocado sobre o capô, servia como mira para abater seus alvos. Carros, transeuntes e todos que se moviam à sua frente eram inimigos lentos, que deveriam ser transpostos.

Oftalmologicamente falando, era um perfeito daltônico. Parecia sofrer de acromatopsia, pois não distinguia entre as cores azul e branca da bandeira nacional, tampouco entre o vermelho, amarelo e verde do semáforo. 

Não respeitava faixas de pedestres. Parava em local proibido, e o que é mais revoltante: aos domingos, na posse do seu carrão, vivia parando no meio da rua, defronte aos Clubes de sua cidade, onde se concentrava a população jovem-dominical. Ficava ali estacionado, por vários minutos, jogando conversa fora com seus amigos, ou até mesmo flertando as gatinhas que adoravam a cantada dos pneus quando saía em disparada, após deixar uma fila imensa de carros para trás e buzinas incessantes.

Só que seus dias de impunidade pareciam estar contados, e no ano de 1997, uma lei era promulgada, batizada de Código de Trânsito Brasileiro, a qual prometia cassar a habilitação dos insensatos motoristas. A lei prometia punir até mesmo os maus pedestres, ciclistas e charreteiros. Mas naquele país, por falta de condições administrativas tinham leis “que não pegavam”, e essa, seria uma delas.

E foi assim que o impune, amparado por uma lei que não possuía condições para “pegar”, continuou estacionando em local proibido; parando sobre a faixa de pedestre; continuando ainda, a parar todos os domingos no meio da rua, em frente aos Clubes, deixando uma fila enorme de seres bravios e inferiores para trás.

Mas desgraças acontecem também aos seres superiores, e ao tentar ultrapassar um caminhão em local proibido, viria o ser superior se chocar frontalmente com um outro caminhão, que vinha em sentido contrário.

Acordou daquele grave acidente no último lugar de uma imensa fila. Não se conformando em ter que esperar muito até chegar sua vez tentou ultrapassar aqueles medíocres à sua frente. Ao tentar a ultrapassagem foi arremessado novamente para onde se encontrava. Ali as leis eram outras – e todas “pegavam”. Seria o último naquela interminável fila – a ser queimado no fogo do inferno...

[Nota do autor: se você não raras vezes estaciona seu veículo no centro da cidade, na porta dos Clubes, para conversar com amigos ou gatinhas aos domingos – não se preocupe, pois os fatos narrados aqui são apenas uma criativa anedota - e lembre-se que o inferno... não existe (?)]

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