RÉSTIA AZUL
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães

Vestia azul da cor do mar de maio e desfilava pela orla como se fosse uma top model. A mão boba do vento morno da tarde - menininho safado - cheia de ousadia tentava levantar-lhe a saia nova pregueada engomada a ferro ou puxar o rabo-de-cavalo dos seus cabelos presos em laço de fita de seda. Ela: uma mão, com anel de lua e estrela, segurava a saia; a outra, a direita, os livros, os cadernos e o estojo de lápis de cor. No rosto angelical uma espinha madura quase imperceptível na foto amarelada. Doze anos apenas. Uma vida inteira cheia de surpresas pela frente. 

Vinte anos passados, como a roupa, a ferro e fogo. Tantas perdas: as ilusões, a virgindade, entes queridos... Agora sai sempre vestida para matar. Vermelho carmim nos lábios, no vestido collant de generoso decote, nas garras felinas sempre afiadas. Agora, regida por Marte, sai à caça. Predadora faminta e insaciável esgueira-se pelas sombras à espreita.

Ao amanhecer, saciada, caminha descalça pela areia úmida da praia com as sandálias de salto agulha nas mãos. O vento, aquele mesmo vento da sua adolescência, sequer ousa tocá-la. E os azuis em mágicas e suaves pinceladas vão aos poucos colorindo a manhã compondo uma perfeita marina. Tal qual aquela foto em preto e branco que ela ainda guarda emoldurada em prata antiga encima da cômoda ao lado da cama que a espera mesmo que não volte. 

E quando volta, se volta, despe-se das vestes profanas e cai em profundo sono nos braços protetores de Morpheu para garimpar no fundo lodoso do seu inconsciente uma réstia azul de sonho que possa enfim revigorá-la.

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