DESEJO AZUL
Claudio Alecrim Costa

Quando abri uma das mãos, além de linhas que se cruzavam como numa cidade grande com carros invisíveis e topografia irregular, bem ao centro havia uma pequena pílula de cor azul. Ouvira coisas fantásticas a respeito. Poderia ter uma mulher por horas intermináveis, até a exaustão, dando o prazer do mundo. Uma babilônia produzida em laboratório que agora eu comprava na farmácia do amigo Zé Armando. Disse-me, o Zé, que fazia loucuras que jamais pensou. Não que eu precisasse de tal recurso terapêutico, mas a consciência me acudia e falava aos miolos baixinho: por que não?

Um mês de investidas e Joana, secretária lá da repartição, finalmente cedera. Pesava além da conta. Não era propriamente o modelo de mulher que faz a imaginação colorir a tudo. Tinha seios fartos e pernas que brilhavam como um assoalho encerado. Parecia saída de um filme de Fellini, com as enormes tetas desabando do decote sobre a avidez desmedida de um garoto que lambe sem parar o sorvete. Era o meu sorvete. Sonhara com esse momento e precisava de toda carga que a tal pílula prometia. 

Antes de engolir, conferi o retrato de meus filhos e da cônjuge virago no canto da mesa do escritório. E engoli. Deveria encontrar Joana no motel “Encantos de Amor” e precisava correr. Estava escrito na bula que o tempo de sentir os efeitos era curto. Corri e consegui pegar o elevador.

Como um castigo dos céus, o desgraçado do elevador foi parando de andar em andar. De repente, a luz esmaeceu e com um solavanco o carro parou. Escutou-se um alarido e tudo virou escuridão. Senti uma pujança que vinha de todos os lugares do corpo, mas que convergia para um só ponto. Entre as minhas pernas surgira um espadagão robusto e vigoroso.

- Fiquem todos calmos! Tentou tranqüilizar o ascensorista

Senti algo encostar na minha espada, ameaçando minha varonilidade.

- Meu Deus! Alguém está armado nesse elevador! 

- Deve ser um assalto!

Uma movimentação, como numa dança de cadeiras, fez com que todos mudassem de lugar. Devo ter dado cabo, literalmente, de alguns soldados com minha enorme e latejante arma branca.

- Eu senti. Deve ter me furado as costas!

- Minha barriga também foi atingida!

- Peguei!

Senti uma mão firme segurando minha espada alada. Agora, maior do que nunca, verticalmente cimentada ao meu corpo trêmulo. 

- Quem é o meliante?

- Pega ele!

- Não posso. Deve ser um samurai. Vai acabar me matando!

- Eu ajudo! – gritou uma mulher.

Meu coração ia aos galopes e agora disparava como um carro de corrida ante a possibilidade da tal mulher reconhecer a “arma branca” por assimilação anatômica costumeira.

- Deus do céu! É uma cobra! E é enorme e inquieta! 

Todos se empurravam num terror cego.

- Como pode? Uma cobra no elevador? 

- Vamos todos morrer picados! 

- Senti quando passou nas minhas pernas!

- Alguém tem de matá-la! 

Comecei a suar frio com a possibilidade de jamais voltar a olhar para o meu tão estimado “amigo”. Tentei tomar a dianteira e me aproximar da porta. Fui deixando soldados e mais soldados feridos pela lâmina espartana. 

- Por favor, me dê passagem! – implorei, desesperado. 

- É ele! 

- Segura!

- Peguei!

- Larga, por favor!

- Não! Não largo!

- O senhor está segurando um pênis!

Senti a mão me largando rapidamente e houve um silêncio breve.

- É um tarado!

- Pega ele!

- As mulheres se protejam!

- Meu Deus, eu quero ver!

- Tarada!

Enfim, a porta se abriu e uma brigada de bombeiros já preparada, esperava estática, enquanto olhava com perplexidade o espetáculo anatômico. Uma pequena multidão começou a se aglomerar em todo espaço possível ao longo do corredor. Todos, de olhos fixos, pareciam mirar algo jamais visto. Propriamente, nunca vira coisa igual. E talvez, passe um bom tempo sem querer vê-la de novo.

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