BRASIL
Carlos C. Alberts
Dizem que você somente conhece seu país quando tem a perspectiva do Exterior. Ou seja, somente poderá ver a realidade da Pátria olhando-a de fora. Minha opinião sobre o Brasil, no entanto, formou-se dentro de território brasileiro. Ainda que no Exterior.
Aconteceu durante o período chamado de “República das Alagoas”. Mas poderia ter se dado durante o Governo Itamar, ou no de Sarney, ou ainda durante o governo de um "Presidente" de alguma das ditaduras brasileiras. Qualquer que fosse, minha opinião seria a mesma.
Ocorreu na Dinamarca. Mas poderia ter acontecido na Suécia, Noruega, República Tcheca, Áustria ou qualquer outro país importante, com o qual o Brasil não se importa. Tanto faz. Minha opinião seria a mesma.
Estava coletando dados, para o meu trabalho de doutorado, em zoológicos da Alemanha. Na mesma época, um colega e amigo foi convidado a expor suas fotos, sobre flores do Cerrado, no Jardim Botânico de Copenhague. O motivo disso, além da grande beleza e qualidade das fotos, é o fato do dinamarquês Eugen Warming ter sido o primeiro pesquisador, ainda no século XX, a perceber a importância e descrever o bioma savânico conhecido como Cerrado Brasileiro. Aproveitei um fim de semana e fui encontrar o amigo.
Durante a inauguração da Mostra, com um simples e simpático coquetel, ficamos surpresos com a chegada do Embaixador Brasileiro. Para encurtar a historia, entre sorrisos e apertos de mão, fomos convidados a jantar na Embaixada.
“Vai haver um outro casal lá”, disse-me o Embaixador. Deu a impressão que achava que eu e meu amigo formássemos UM casal. “O traje é de passeio completo”, avisou. E, mostrando seu conhecimento de etiqueta, explicou: “Paletó é essencial, gravata não”. Mas isto não tem importância. Minha opinião seria a mesma.
Devidamente trajados, chegamos na hora combinada. Recebeu-nos o mordomo, um vietnamita. Mas isto não é importante. Pode ter sido um filipino. Ou um malaio. Não faz diferença. Minha opinião seria a mesma.
No amplo living estava o Embaixador e o “outro” casal convidado. Houve as apresentações. Tratava-se de jovens brasileiros que viviam nas Ilhas Faroe, pertencentes à Dinamarca. O Embaixador era um “nordestino”. O termo designa aqueles que, para quem não os conhece intimamente, são nascidos acima da Bahia e abaixo do Maranhão. Ainda que estes últimos dois Estados façam parte da Região Nordeste, suas características mais os afastam que os aproximam dos outros “nordestinos”. Naturais da região onde vivem os mais pobres e menos influentes brasileiros, lado a lado com os mais ricos e poderosos. Mas isto não é importante. O Embaixador poderia ser carioca, mineiro, paulista ou gaúcho. Minha opinião seria a mesma.
Com a curiosidade de meu amigo despertada por uma bela pintura sacra, o Embaixador nos contou sua origem. Disse que se tratava de um tesouro nacional da Bolívia. Era um desenho de Maria, mas com traços indígenas e com indumentária e símbolos da cultura quéchua. Nosso anfitrião explicou que era proibida sua venda para o exterior e, portanto, seu preço, na origem, era baixíssimo. Explicou, também, que isto não havia sido um problema, já que, como diplomata, dispunha do serviço de malote. Onde não ocorre fiscalização. Assim, uma obra de arte sem preço acabou na parede daquele esperto brasileiro.
Com meu comentário sobre a da fachada da Embaixada, o Embaixador relatou como lhe tinha sido difícil conseguir o efeito desejado. Contou, para nosso pasmo, que os trabalhadores locais especializados em serviços de jardinagem, entram às 8:00hs, param ao meio-dia, retornam às 13:00hs e param, em definitivo, às 18:00hs. “Nem um minuto a mais”. Contou-nos que antes de haver o “belo” gramado à frente da casa, havia um relvado, com flores pequeninas, próprio para cobertura de solo em jardins. “Assim como em quase todas as casas dinamarquesas”. O trabalhador responsável parecia não querer trocar o relvado pelo gramado. Mesmo depois que o patrão comprou um galão com herbicida. Após muita insistência, o homem encheu o regador com o veneno e despejou-o enquanto fazia uma caminhada aleatória sobre o relvado. Deixou um desenho “maluco” no chão. Depois, pegou suas coisas e não voltou ao emprego.
Durante o excelente jantar, respondendo se não sentia saudades da comida brasileira, nosso representante na Dinamarca disse que o que mais lhe fazia falta eram os refrigerantes. E contou como havia conseguido uma caixa de Guaraná Antártica. Segundo ele, uma corveta da Marinha Brasileira fazia manobras junto à Marinha Britânica, ao sul da Irlanda. Ao saber disso, solicitou que a embarcação se deslocasse até Copenhague e lhe trouxesse ao menos algumas garrafas de Guaraná. Ante a recusa dos militares, teve que recorrer a “fontes mais altas” de poder. Assim, mesmo levando-se em conta o custo de cada hora de deslocamento de um navio de guerra, o Embaixador conseguiu seu refrigerante favorito.
Depois das despedidas, quando o mordomo fechou a porta atrás de nós, pude ver o mastro com a Bandeira brasileira tremulando. Aquilo me chamou a atenção por dois motivos: embora ainda estivesse claro, por ser verão tão ao norte, já eram quase dez horas da noite. Sempre pensei que se recolhesse a Bandeira às seis da tarde. A outra coisa que me chamou a atenção foi a coincidência total entre o azul do circulo central da Bandeira e o céu da Dinamarca. Eram tão coincidentes, estes azuis, que o círculo parecia ser transparente. Uma bandeira sem coração. Mas isto não é importante. O círculo poderia ser vermelho, marrom ou lilás. Minha opinião seria a mesma.
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