RENDIÇÃO
Thaís Emília
Reticências de hesitantes abelhas no mormaço da tarde. Cana moída com casca de mexerica madura num oásis metalizado de esquina - procuro não pensar no gosto que você teria enquanto sorvo, em largos tragos espaçados, a garapa gelada.
Sem pressa percorro as ruas que já conheço de cor. Ando em círculos - milhas curtas para tamanha angústia. Há alguns dias que lembrar do seu sorriso deixou de me bastar. Percorro sem cansaço nem esperança as vielas do cemitério, sem, no entanto, encontrar numa sepultura qualquer um nome que caiba em seu olhar.
Todas as minhas certezas antigas, cordões umbilicais empapados de dogmas, desfizeram-se como algodão-doce derretendo na língua: efemeridade lenta, destilada. E não há ninguém (nem mesmo meu cão) que saiba dizer-me se o mar é mesmo azul ou se é só reflexo do céu.
As amenidades de antes também pereceram. Nada, agora, de cantarolar no compasso sonoro da bengala do meu velho tio – seu andar trôpego agora me entristece tanto que meu coração bate no ritmo de suas passadas lentas, doídas, esparramadas nos seus sapatos centenários.
Da última vez que te vi, minha garganta aprisionou as mais ridículas declarações de amor – e,se eu soubesse que essa vez seria de fato a última, espremeria a doçura que restou em meu ser para estampar, em meu olhar, um mundo que você não conhecesse.
Deparo-me, contudo, com a inexorabilidade do “se”, e constato que todo “se” traz consigo a dor. Porque se eu não tivesse te perdido tão completamente, tão sem nada saber de você, estaria ainda hoje nadando contra a correnteza ao invés de abandonar meu corpo ao sabor do rio, para afogar-me em suas águas barrentas de enxurrada.
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