MONGE, LOUCO OU
BRUXO?
Rita Alves
Rússia, início do século, a neve caía e pintava tudo de branco. Habitava no palácio entre a alta corte, um monge de quarenta e poucos anos, barbas longas e olhar enigmático. Seu ar sombrio assustava a todos e despertava curiosidade. Aquele homem era um monge, um louco, bruxo ou apenas um charlatão? Ninguém ousava contrariá-lo, comentava-se na corte que ele era o amante da imperatriz. Como o rei permitia tamanha depravação? Um monge vivendo um romance com uma czarina?
Não raro, o czar era alvo de risadas e comentários maldosos de seus súditos que se encontravam para beber e praticar sexo com as prostitutas. Um deles até tentou lhe avisar da traição que ocorria debaixo dos seus olhos, mas o rei voltou-se contra ele e mandou matá-lo por insinuar tamanha blasfêmia.
O rei era um homem mau, desafiava a todos, impunha suas vontades ao povo e enxergava a tortura e a morte como instrumentos para conseguir seus objetivos. O rei era um tirano, por outro lado, Rasputin era um monge louco.
Rasputin gozava de muitos privilégios junto à corte e o rei começava a ficar desconfiado do comportamento e da devoção que a czarina dispensava àquele monge. Sentiu uma ponta de arrependimento por ter mandado matar um dos seus homens de confiança por uma insinuação que fazia sentido. Num rompante, o rei mandou Rasputin para a Sibéria, pois notou que a corte inteira ria e o olhava com indignação por não tomar nenhuma atitude que condizia com a figura de um rei tirano. O fato de ser um monge foi o único motivo pelo qual não mandou matá-lo.
Sem questionar, Rasputin foi embora. A czarina chorou dias e noites e o rei percebeu que tinha tomado a decisão correta afastando aquele devasso da sua corte. Sim, o monge era um devasso. Era alcoólatra, mulherengo e participava de orgias. A czarina quando soube dessas histórias, disse que era invenção e que jamais um monge respeitado como ele faria algo parecido. Aliás, pensamentos de uma mulher apaixonada, como se falavam nos corredores do palácio...
Quando a sombra de Rasputin se afastou, a desgraça assolou a família real. O filho do rei ficou muito doente e até já havia recebido a extrema-unção, quando a imperatriz resolveu enviar um telegrama ao monge pedindo preces para o garoto. Prontamente, ele respondeu dizendo que ele não morreria. O filho do rei melhorou poucas horas depois do tal telegrama. O rei, em lágrimas, suplicou o perdão de Rasputin e pediu pra que ele voltasse, pois acreditava que o monge tinha libertado seu filho da morte. Misteriosamente o único herdeiro da corte sobreviveu.
O monge voltou e adquiriu ares de primeiro-ministro da Rússia. Ele era agora o conselheiro do rei. Um homem nascido na Sibéria, paupérrimo e analfabeto, era um dos mais importantes integrantes da corte! Ele mandava e desmandava e isso era tão óbvio, que um pintor da época retratou o rei dançando, enquanto Rasputin tocava flauta, numa alusão de que o czar fazia tudo o que o monge queria.
Todo esse poder acabou despertando a ira dos nobres que formaram então, um grupo para tentar derrubar, digo, matar Rasputin. A Rússia caminhava para a destruição e eles acreditavam que a culpa era do monge bruxo que sempre se intrometia nos assuntos do rei com seus conselhos místicos e devaneios.
Ele não incomodava só aos nobres, sua duvidosa fama preocupava também o rei e ganhava os corredores da corte. A cada dia o monge escandalizava a todos com suas atitudes insanas e depravadas. A czarina, sempre fiel a
Rasputin, fechava os olhos e tapava os ouvidos, já que o monge havia devolvido a saúde do filho e era considerado, na sua opinião, um homem santo.
Os nobres, que não agüentavam ver todo aquele poder centralizado nas mãos do monge, arquitetaram um plano para matá-lo e o convidaram para um jantar. Ele que fazia parte das altas-rodas da corte russa, claro, não recusou o convite. Depois do suculento jantar e de muitas doses de vodka, seus algozes prepararam uma bebida
"relaxante" à base de creme de cacau, vodka e veneno, e Rasputin, sem hesitar, bebeu tudo.
Naquela mesma noite, o rei não conseguia dormir. Ele que nada sabia a respeito do plano, e que já tinha sido avisado pelo místico monge de que, caso fosse tentado algo contra ele o poder da família real cairia por terra, temia, mais do que ninguém, pela vida dele. Apesar de não crer muito nas palavras de Rasputin, depois do milagre de ter recuperado a saúde do filho, depois de outras previsões e acertos e maus presságios que se confirmavam com o tempo, resolveu não questionar, até mesmo porque tinha desenvolvido por ele uma certa afeição e as fofocas do reino de que o monge se deitava com sua mulher tinham há muito perdido o sentido. Porém, seu comportamento libertino piorava a cada dia e isso deixava o rei extremamente preocupado, pois sabia que os nobres da corte não apreciavam tal comportamento e além do que, a Rússia caminhava para destruição e o desespero, como o monge antes previra.
Enquanto isso, depois de brindar e beber doses cavalares de vodka e veneno, o monge pediu para deitar-se um pouco, pois estava sentindo-se muito mal. Todos deixaram a sala e apenas um dos cortesãos ficou ali para aplaudir a morte dele. Quando finalmente ele
"adormeceu" no sofá resvalando para o chão num estalo surdo, o nobre deixou a sala para avisar os outros. Quando voltou acompanhado pelos que planejaram sua morte, eles entreolharam-se perplexos. O homem não se rendeu à morte. Estava levantando do chão, como se nada tivesse acontecido. Tiveram que confabular, às pressas, outro plano. Foi quase impossível, pois não esperavam que tal empreitada não fosse dar certo. Uns começaram a acreditar que o homem realmente era santo, outros ficaram com medo de que algum tipo de maldição pairasse sobre eles, uns riam pelo alto teor de vodka correndo nas veias. Foi uma bagunça. Rasputin, que não era burro, rapidamente percebeu o que estava acontecendo e antes de fugir, agarrou o pescoço de um deles numa inútil tentativa de matar um daqueles traidores. Foi em vão, pois foi atingido por vários disparos e ataques de punhais. Tiveram que descarregar todas as balas da arma no monge, pois ele não se rendia de jeito nenhum. Minutos depois ele sucumbiu e com todo cuidado chegaram perto do seu corpo cravado de balas, estatelado no chão e confirmaram a sua morte. Todos respiraram aliviados, finalmente Rasputin estava morto! Enfiaram seu corpo num saco e o arremessaram às águas frias de um rio da cidade.
Três dias depois seu corpo foi encontrado. A notícia da morte do monge foi recebida com pesar pela família real. Aconteceu o que o rei mais temia. Rasputin se rendeu à morte e agora toda a corte pagaria um alto preço.
*Baseado na história de Gregory Yefimovich Novikn "Rasputin" (1869-1917), personagem mais enigmático de toda a história da Rússia.
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