SERENA,
A MUSA DE UMA MANHÃ
Pedro Brasil Jr
As pedras íngremes que circundavam o parque eram todas velhas conhecidas suas. Ali, ao longo dos anos, seus incontáveis passos demarcaram manhãs radiantes de sol e entardeceres que sempre anunciavam mais uma noite de solidão. Também pela jornada dos anos, viu paulatinamente todas as mudanças de estações como um espectador de uma peça de teatro há muito em cartaz.
Foram tempos de jardins floridos, com amores-perfeitos demarcando o caminho e pássaros disputando alguma minhoca depois de uma garoa inesperada.
Dias aconteceram em que a leitura do jornal fora interrompida pela chuva forte que o deixara encharcado da cabeça aos pés. Um resfriado sempre se fazia presente na forma de um prêmio pelo descuido.
O parque foi passando por mudanças à medida que o tempo avançara. Alguns amigos esporádicos, de conversas banais, foram sumindo da cena, mas isto não o incomodava afinal — pensava — são coisas naturais da existência.
Em seus passos havia tantas histórias que um livro apenas não seria suficiente para armazenar tantas narrativas. A jovialidade já o havia deixado há muito, no entanto, lá no fundo, sentia-se ainda capaz de muitas loucuras, como amar, por exemplo.
Sentando num daqueles bancos de madeira, ficava observando os casais passeando abraçados — alguns já empurrando um carrinho com o bebê. Divertia-se com as crianças que corriam despreocupadas, soltando gritinhos ao ar, envolvidas numa felicidade de fazer inveja.
Pensava sozinho em toda a sua vida sem um par, sem filhos, sem um destino definido. Suspirava seguidas vezes e levantava-se para uma nova caminhada onde podia sentir na brisa suave a vida pulsar com toda a força. Conhecida cada árvore e cada ninho de joão-de-barro como se fosse o criador daquele lugar repleto de energia.
Mas tinha um segredo. Um grande segredo de amor. Foi ali que um dia, num passado distante, deparou com toda a beleza de Serena, uma mulher diferente de todas as outras. Talvez porque o amor seja na verdade, um jogo de pincéis e tintas com as quais pintamos a cena mais conveniente ou quem sabe, porque a chamada química do amor, tenha um inexplicável poder se sedução. Mas Serena tinha sido de fato aquela com que tanto sonhara e cuja imaginação o levava a viver os beijos, os amassos e toda uma entrega de corpo e alma como costumam fazer os amantes.
Serena tinha os lábios carnudos, olhos amendoados, sobrancelhas grossas, cabelos longos e escuros e uma graciosidade no andar que certamente partiria todos os corações.
Quando a viu pela primeira vez, ficou imóvel diante daquela beleza frágil e feminina. Na segunda vez, tentou aproximar-se, mas uma força maior o impediu. Detinha uma timidez parecida com um muro de concreto. Mas numa manhã, por um acaso e por outra surpresa do destino, Serena sentou-se ao seu lado naquele banco e puxou conversa. Gaguejando, ele acabou atrelando um rumo à conversa e foi fazendo suas descobertas. O coração quase saltava fora do peito e lhe faltavam as palavras apropriadas para uma possível conquista. Mas a decepção lhe deu uma rasteira ao descobrir que Serena era casada. Ainda a viu por diversas ocasiões caminhando pelo parque e cada vez que a encontrava, a reação era a mesma. Foram longos dois anos assim até que aos poucos sua amada foi desaparecendo até nunca mais surgir na cena. Alimentou aquele amor pelo resto da vida e as ilusões passaram a ser velhas companheiras em seu reduto de solidão.
Trinta anos haviam passado... E naquela manhã, para não perder o costume, lá estava ele em sua caminhada despreocupada quando avistou num dos bancos a presença de uma mulher desconhecida. Aproximou-se curioso e quando chegou bem perto a mulher voltou o rosto em sua direção e lhe disse:
- Você ainda está à minha espera?
Diante da interrogativa e totalmente surpreso, ele largou ao solo todas as suas armas e gritou por rendição diante da possibilidade de acolher o grande amor de sua vida.
Apesar dos anos todos terem causado alterações naturais, Serena ainda era uma bela mulher e conservara todos aqueles traços que um dia haviam conquistado o seu coração. Agora, ele sentia a vida pulsar forte uma vez mais e a jovialidade que havia ido embora, retornara de maneira a lhe permitir sentir todas as sensações que realmente fazem a vida e a espera valerem a pena.
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