TEJE PRESO!
Marco Brito

Cidadezinha de sertão, meio de tarde, um calorão estúpido, sol abrasador pregado num céu azul clarinho, clarinho! O homem sobe os degraus, mete os peitos porta adentro e para, já dentro do bar, em frente a uma mesa:

- TEJE PRESO!

- Como???

- Teje preso, não ouviu? É surdo?

- Mas...

- Nem mais nem menos, teje preso e tá acabado!

- Mas como, "tá acabado"?

- Acabado. A-ca-ba-d-ó-dó, entendeu?

- Acabado porra nenhuma!!!!!

- Porra nenhuma? Você falou porra nenhuma? Agora é que se ferrou! Desacato à autoridade, teje preso novamente!

- Como, homem?! Não se responde duas vezes pelo mesmo crime...

- Aqui pode! Aqui, a autoridade sou eu! E mais: você confessou, vá passando...

- Confessou o quê, homem de Deus?

- Ainda num sei, mas foi você mesmo quem disse que não se pode ser preso duas vezes pelo mesmo crime... Só falta agora você confessar qual o seu crime!

- Não tenho nada a declarar!

- Ah! É assim é? (Mete a mão no bolso, puxa um papelzinho de dentro da carteira e...). Você tem direito a ficar calado. Tudo que disser pode ser usado contra você. Tem direito a um telefonema e a um advogado...

- Para, para, para... Eu sou advogado, senta aí. Diga-me, por quê me prende?

- Pensa que me engana, nasci ontem, nasci? Tô te filmando ..... Um sujeito que chega na calada da noite, larga o carro no posto de gasolina, entra andando na pensão... Sei, sei, sei.

- Ô rapaz, deixa de desconfiança! Sou advogado já disse. Senta vai, toma um gole...

- Tomar um gole? Tá querendo me subornar é?

- Senta homem! Um calor desses, você aí, suando em bicas e procurando sarna...

- Procurando sarna não! Procurando bandido!!!

Senta, tira o quepe, abre a camisa da farda e pede uma cerveja.

- Cê é mesmo advogado?

- Sou.

- Sério?

- Sério.

- Eu já quis ser advogado.... Mas não deu... Queria ser delegado de carreira.

- E ?????

- Sou calça-curta.

- Acontece... Escuta , quem te falou que cheguei naquelas condições? Assim meio discreto...

- Minha filha. Ela é a mocinha da noite na recepção. Chegou lá em casa dizendo que tinha chegado um sujeito distinto, de olhos azuis....falou (ela) com muito entusiasmo!.... Desconfiei.

- Besteira, delegado! Toma mais um copo. Sou um pobre advogado cansado de guerra. Venho rodando por aí à procura de um lugar sossegado para viver.

Saí da cidade grande, lá do Rio de Janeiro, onde há muito bandido. O que quero agora é comprar uma fazendinha e passar os restos dos dias criando umas novilhas....

- E escolheu aqui???

- Claro homem! Lugar sossegado, de gente distinta que nem o Sr. Delegado. Olha, visitei algumas propriedades. Tenho dinheiro na mão (colocando a mão em concha no ouvido do outro: - "O dinheiro que trago está lá em cima dentro da mala, dinheiro vivo!) para investir. Já comecei a negociar.

Conhece a Fazenda Lagoa Grande?

- A do Coronel Gusmão (espanto!)??????? E o homem vai vender??????

- Xiiiiiiiii! Fala baixoo! Segredo, segredo.....

- Certo, certo! Tudo bem. Agora me diz uma coisa doutor? O Coronel vende?

- Claro homem! Propus a ele um milhão...

- Um milhão? O Doutor Advogado tá com um milhão de Reais aí, dentro duma mala???? 

- Fala baixo! Pô! Claro, não confio em bancos. Aqui mesmo tem este banco não tem? E você confia nele?

- Claro!

- O distinto delegado acha que gente como o coronel, o juiz, o dono do curtume, do frigorífico vão deixar suas economias aí neste banco chinfrim, onde nem caixa-forte tem? A menos que não se tenha tanto dinheiro na praça quanto se alardeia....

- Não corre dinheiro? Olha, amanhã é dia de feira, dia de venda e compra de gado, de abate de carcaças pelo frigorífico. Pois bem, cê vai ver o quanto circula de dinheiro. E, amanhã, antes do final da tarde, esta grana vai todo pro cofre deste banco.

- E a segurança? Vem reforço de fora então...

- Qual nada! Não carece, nunca careceu...

Na sexta-feira, o dia correu normalmente. Passaram (o Doutor advogado e o Distinto delegado) todo o tempo acompanhando os leilões de gado. 

Almoçaram no Panela de Barro e, só à tardinha, despediram-se na porta do Danúbio Azul, não sem antes entornarem várias doses do melhor uísque desta casa. No sábado, separaram-se; confidenciou-lhe seu amigo, o Doutor advogado, que passaria todo o dia fora em piquenique com uma jovem pretendente da região.

Retornou no finalzinho da tarde, com o sol deitando por trás da serra coberta de pesadas nuvens, e um sorriso malandro nos lábios. O domingo foi de chuva torrencial. Ruas alagadas, bares desertos, raios e trovões.... Na manhã do dia seguinte, reaparece o sol. Com a luz do dia, a surpresa: ao que parece, um daqueles raios caiu no fundo do estabelecimento bancário estourando paredes, derretendo metal, queimando tudo que havia de papel, dinheiro e madeira no local.

O distinto delegado, após exaustiva investigação e extenuadas explicações às outras autoridades locais, procura seu amigo o Excelentíssimo Doutor advogado, sem saber nem o que dizer. Preocupação inútil pois que, logo cedo, na manhãzinha, seu nobre amigo deixara a cidade.

Surpresa maior veio com o tempo. Nasce seu primeiro netinho.... um belo garoto de tez parda e lindos olhos azuis....

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