KAMILA E SUA PRIMEIRA
VEZ
Juraci de Oliveira Chaves
Caminhava devagar, lentamente, passos cansados, medrosa.
Alcançou uma alameda escura, apressou o passo. Silêncio, poucas vozes, poucas pessoas na rua.
Havia caído na escuridão das incertezas. Desconhecia o caminho por onde escolheu percorrer. Não havia outro com menos quilômetros.
Inocente, sem experiência alguma, mergulhou de cabeça a sua infantilidade. Fora imprudente, ela sabia. Não tinha mais volta. Numa sociedade impiedosa e machista pagaria por isso. Sem querer foi enfileirando pretendentes apaixonados sem ao menos conhecê-los.
Entrou no primeiro bar de porta aberta, sentou-se na mesa do canto onde não se viam os próprios olhos. Entregou o rosto à mão espalmada. Humilhada, arrasada, chorava os sentimentos, quase que em silêncio. Pediu cachaça. Aguardente da pura. Ouviu dizer que abrandava as mágoas. Ingeriu de um só gole. Tossiu engasgada. Desconhecia o sabor ardente. Como sua vida agora. Bebeu pela primeira vez, arrasaram-na também pela vez primeira. Novas dores novos soluços.
Abriu a bolsa minguada, pegou o lenço com os dedos trêmulos, unhas impregnadas de terra suja e úmida, apesar de longas, pintadas e bem cuidadas.
Tremia de verdade, até os pensamentos. Enxugou a boca avermelhada pelo contato com o álcool e com a dor. O ocorrido passava em sua mente como um filme em reprise. Não conseguia esquecer daquele momento. Revia tudo. Fora agarrada por um grupo de rapazes e arrastada para o estádio de futebol ao lado, onde luzes, só da lua.
"- O que é isto? Tentava ela se desvencilhar dos braços fortes e violentos.
- É isto mesmo que você está vendo, respondeu o mais forte que a segurava com força e
apertando a sua boca na tentativa de abafar o grito. Não demorou muito, a festa começou: Fora colocada como um cristo crucificado sobre o gramado e cada um usava sua força para mantê-la nessa posição para o líder do grupo, em primeiro lugar. Fariam rodízio.
- Porra, você é virgem! Surpreso e descontrolado ele não queria ceder vez para os outros
companheiros. Se delirava com o sofrimento alheio.
- Parem, por favor, não matem meus sentimentos, meus planos... ela pedia entre soluços.
Não adiantava apelo, eles não cediam e ela se rendeu. Caíram pelo chão todas as suas forças e sua vida. Apossaram dela obedecendo a fila interminável. O primeiro, após o ato, ocupava o último lugar que ansiava para ser o primeiro novamente. Foram muitos, um atrás do outro, sem preâmbulos. Gozaram dela e nela. Orgasmos machos, imundos, tomaram conta da noite de Kamila.
- Meu Deus! Ela gritava e esperava por socorro. E chegou apesar de tarde. Ao ouvir o apito da Rotan que passava pela rua, todos partiram pelo lado oposto, pulando o portãozinho de serviço do campo mudo.
Ficou muito tempo sentada no gramado, seminua, com o olhar vazio, sem lágrimas, cheios de ódio. Pegou na bolsa alguns comprimidos para dor e engoliu-os de vez. Instantes depois, se ajeitou e tentou os primeiros passos de mulher."
Kamila levou um susto ao voltar à realidade. Não queria mais pensar naquele seu martírio. Olhou de soslaio por todo o recinto. Teve medo de olhar de frente.
Mais um gole... Mais outro...
Repentinamente sentiu um calafrio. De pavor. Era ele... Ele e seus amigos. Entraram enfileirados, um atrás do outro olhando como se procurassem por alguém. Sentaram... Risos, galhofas, histórias de mulheres e mocinhas vitimadas. Fazia parte do motejo. Falavam alto, sorriam alto, fartavam-se.
Kamila não queria ouvir mas, ouvia. Chorava a dor na presença de todos os cegos de olhos vivos.
Sabia que era bonita e isso foi fator decisivo para sua desgraça. Dona de um corpo encantador, seios perfeitos de mamilos róseos, cintura fina, quadril avantajado... Despertava olhares lânguidos e desejosos. Mas, naquela noite houve desencontro com o namorado e encontro com os rapazes maus. Sedentos por sexo fácil, gratuito. Sexo de virgens.
Todos os ventos sopraram ao contrário. Ninguém ouviu seus gritos apavorados. Foi um horror! Havia planejado a sua primeira vez. O casamento seria lindo no próximo mês... Tudo dera errado. Não queria mais pensar. Pagou a conta e sumiu pela porta dos fundos do bar movimentado.
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