MUITO TÍMIDO
Eduardo Prearo
Empertigado ainda mesmo sem serventia alguma. De tarde, era outro, e ontem, um outro e mais outro anteontem. Pus-me a correr dizendo para mim mesmo que ninguém mais gostava de mim, a correr por campos imaginários, talvez de uma Rússia de Grigory, homem de modos enigmáticos; não sei por que estou dizendo que ele é enigmático, afinal só o conheço por foto. Pensei que o mundo seria humano comigo e espero que seja humano com as futuras gerações. Esta mediocridades que escrevo...continuo escrevendo-as, mas não se tratam de obscenidades. São apenas palavras, e palavras, ou melhor, a Palavra, existe desde o Início.
Na verdade, não conheço Grigory somente por foto, e ele devia saber disso. Espere, deixe-me tirar o plástico que estou mastigando a horas e que já contém um certo sangue: coloco-o em minhas mãos e parece que se transformou em um monte de vermes. Mexem-se como vermes. Quebro obturações comendo coisas cruas, como macarrão, ou então papel ou plástico. Infantil. É isso, eureca, infantil! Parece que optei por ser rejeitado, Grigory, e agora estou a sua procura. Tenho certeza de que não vai me rejeitar! Quem sabe nos tornemos amigos; sim, porque preciso também de amigos homens, fico mais animado com amigos homens do que com amigos mulheres. Mas é complicado tê-los.
Fico a imaginar se vão continuar me julgando da forma como julgam. O prolapso dos anjos nalguma parte obscura desta floresta faz-me acreditar que possuo semelhantes, muitos semelhantes. E semelhantes se atraem, como dizem. Os homens estão trabalhando, e esses mesmos homens dizem que não penso. Isso quer dizer que inexisto? Se a pessoa não está trabalhando, é bom que preste algum serviço para não ficar pensando besteira? Pensando coisas do tipo: a população está brava. Estou julgando, eu sei, porque o bravo talvez seja eu mesmo. Mas digamos que a população esteja brava mesmo, digamos que as pessoas não vão com minha cara. Dizer isso parece o quê a não ser que se está dentro das características de uma pessoa tímida?
Pensei em ser extrovertido, tenho que admitir que sou tímido. Me falta alegria pra abordar alguém pra conversar, isso me deprime. Rendi-me a própria timidez, estou aceitando-a, isso já é um bom começo, não é? E descobri que ninguém persegue ninguém, que posso ser sadio, mas...enfim, Grigory, meu amigo, tudo parece nebuloso...
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