QUEM CASA QUER CASA
Alberto Carmo
Há quanto tempo você se rendeu? - pergunto. A quê? Isso não importa. O cerne da questão é se você executou o verbo em toda sua plenitude - render-se. Melhor dizendo, eu sei que executou. A pergunta é se você se lembra quando isso ocorreu, quando você se rendeu. Consegue recordar esse momento incestuoso de sua existência (depois) tão vazia?
Okay, okay, não fique irritado tão cedo no texto, ainda não se faz mister. Por ora, vou fingir que acredito nisso que seu pensamento está disparando furiosamente em minha direção: - Eu nunca me rendi a nada! Mas vou fingir com toda sinceridade.
No fundo, todos achamos que somos heróis, e o somos, não na forma assim tão ao estilo do Homem Aranha, ou de qualquer outro super-herói que você tenha visto recentemente no cinema - pode até ser algum do Matrix, pode até ser o Papai Sabe Tudo, não importa. Particularmente, acho o Spider Man mais heróico - tem mais tradição. Matrix lembra muito o Super-Mário, e eu não suportava aquela musiquinha que tocavam ao pular em cima dos cogumelos.
Agora que você já se acalmou - ainda não? Anda logo, que ninguém tem obrigação de esperar teu ataque de "não me toques" - que tal pensar e relembrar o momento em que você se rendeu definitivamente? Tudo bem, pode ter havido mais de uma rendição, talvez foram milhares, mas houve uma primeira vez e, de acordo com a cartilha que você lê diariamente na mídia, essa você não deveria ter esquecido. Ou deveria?
Se você está volitando, para mais ou para menos, ao redor dos, digamos, quarenta e cinco e pico, é provável que a capitulação deva ter ocorrido nos primeiros sete anos pós-casório, segundo diz o ditado. No começo foi aquele fogo - era até no tapete do box no banheiro, em cima da churrasqueira, nos lugares mais inusitados. Depois começou aquela coisa de chegar estressado do escritório, ou da firma; ou então mal você pisava no capacho e ela já ordenava que levasse o lixo no portão; ou você insistia em ficar lavando o carro na tarde de sábado e ela ficava chupando o dedo no quarto de casal trajando nada mais que um Chanel nº 5 ou um Avanço que fosse; ou mesmo evitou estrangular o casal de amigos, com filhos, que apareceu justo naquele fim de semana em que vocês haviam planejado uma releitura de "Nove e Meia Semanas de Amor" ao som de Je t'aime. Não importam os detalhes - eles são seus - mas houve um momento em que você se rendeu.
Tente se lembrar quando aquela música do "Fantástico" começou a importunar seu bem-estar das segundas. Quando tudo virou uma rotina insuportável? Por que deixou que isso acontecesse? Quando começaram os churrascos de domingo, que não deixavam pedra sobre pedra no seu baixo ventre, frustrando os mais eróticos sonhos daquela que você um dia viu cheia de graça, que vinha e que passava a caminho do mar, ou da escola ou da missa da juventude, ou do que quer que fosse?
Não que eu recomende o divórcio - amigável, pelo amor de Deus! - nesses casos. Embora seja fato que os exemplares vistos - mesmo litigiosos - mostrassem uma gente cheia de pinduricalhos do último, ou primeiro, casamento, buscando novos rumos, desenterrando sonhos de juventude e tentando fazer deles uma realidade. Ainda que no meio do terceiro orgasmo o telefone anunciasse o cônjuge - ele ou ela - reclamando da pensão ou perguntando quantos ml é um fio de óleo, vi tanta gente feliz por poder tentar novamente. Tentar até o fim da vida, e não sossegar nunca.
E aqueles que ainda estão juntos, mesmo empurrando com a fivela do cinto, mesmo esperando chegar a segunda-feita mais que o domingo, por que não jogar tudo para cima e recomeçar? Nem que seja para agarrar a mulher pelo sutiã, ou ela agarrar o macho de que dispõe pelos culhões, e pararem, um e outro, de trocar incômodos, mesquinharias, e mudarem o paradigma em que se meteram?
O ponto não é mais quando você se rendeu, mas quando vai se rebelar e nascer novamente. Esquecer os planos de aposentadoria, esquecer os planos de futuro, esquecer a preguiça, o comodismo, a ganância, a vaidade, o tudo fácil e programado. Jogar-se no espaço do inesperado, dos fora-da-lei, dos fora de prumo, dos fora de moda, dos sem rumo, sem padrões, sem medos (mentira!), sem regras, e apenas reescrever o futuro que você já desenhou até a missa de sétimo dia.
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