A MANHÃ SEGUINTE
Thaty Marcondes

Quando ela chegou tudo era doce. Até mesmo os morangos ao lado do vinho gelado. Até mesmo o vinho. 

A música era romântica, a luz suave; estrategicamente montado um ambiente propício para o amor. 

A chuva não atrapalhou as frases que trocaram, as juras, as promessas. 

Antes disso, a caminho da casa dele, no táxi, ela estava preocupada com o tempo, com o cabelo desalinhado, com a roupa gotejada. Qual nada, mal o taxi virou a esquina, ela o avistou sob o guarda-chuva a esperá-la na porta, e esqueceu-se destes detalhes tão femininos, efêmeros - tolos, até!

Nervosa, trêmula, deixou-se abraçar e aceitou o convite para entrar. Queria causar boa impressão. Enquanto ele foi buscar as taças para o vinho, ela tentava se livrar da capa e descobrir um espelho onde pudesse se certificar da boa impressão que causaria - afinal, a blusa decotada, comprada para esta ocasião, deveria deixar transparecer a roupa íntima nova.

Mas... ao levantar os olhos, depois de desabotoado o último empecilho para que ele pudesse admirar suas linhas por baixo da transparência do tecido, sentiu um calor percorrer todo o seu corpo, ao se deparar com os olhos dele sobre ela. Aflita, pensava:

- Será que ele gostou? Por que fica em pé, parado, me olhando? Meu Deus! Será que a roupa está muito amassada? Muito transparente? Eu sabia: ele se decepcionou! Foram estes quilinhos que ganhei estes dias, mas... O que ele queria? Não sou mais criança - já passei dos 40!

Estes pensamentos a invadiram e ela ficou muito indecisa, insegura. Há quanto tempo ela já havia passado por esta fase onde a gente se atrapalha com um romance? Para sair de casa foi uma luta: teve que arrumar mil desculpas para os filhos, para que sua mãe ficasse com eles... e o julgamento? O que estariam pensando dela? Será que acreditaram em suas inocentes "mentirinhas"? Teve que negociar, até, para que pudesse dar esta "escapada para o pecado". Deu desculpas no trabalho, pois no dia seguinte só apareceria após o almoço.

- Mas eu sou uma mulher livre - pensou - tenho este direito! 

Ele ajudou-a a tirar a capa, sem parar de fitá-la fixamente. Serviu o vinho, mas as taças continuaram sobre a mesinha: ele não estava preocupado em beber! Afinal, para ele, tratava-se, igualmente, de uma situação inusitada.

Arrancou uma coragem que nem ele sabia existir dentro de si mesmo, banhou um morango no vinho da taça e levou-o até o decote dela. Deixou que as gotas pingassem lentamente, escorrendo para dentro de seus seios, sem parar de fitá-la ou, sequer, piscar. Não disse uma palavra - aquele instante era mágico, ele não queria estragá-lo ou assustá-la com sua ousadia.

Ela suspirou, fixou o olhar naquele morango como se estivesse hipnotizada - não tinha coragem de olhá-lo nos olhos nesse momento. Ficava pensando:

- E agora, o que será que ele vai fazer?

Um arrepio percorreu-lhe a espinha - há tanto tempo ela não sentia a pele de um homem roçando a sua! Há tanto tempo ela havia riscado o amor e o sexo de sua vida!

Então ele ousou: sussurrou-lhe que abrisse a blusa parcialmente, lentamente. Passeou aquele morango sobre o sutiã de renda negro, novo, propositadamente e suavemente perfumado. Deixou que ele entrasse por entre seus seios e, delicadamente, retirou-o de onde estava, não sem antes tocar-lhe, de leve, a pele arrepiada.

Ela tremia - estava petrificada, excitada, assustada.

Ele passou o morango pelos lábios dela, aproximou os dele e, entre morangos e salivas, explodiram em beijos suplicantes, abraços, amassos. As roupas eram jogadas ao chão, a caminho da cama onde eles se amaram pela primeira vez, naquela noite de chuva.

Ela se ofereceu, atendeu, abraçou, ousou, explodiu!

Ele sentiu, pediu, encantou, se apaixonou, jurou!

Uma noite perfeita de amor! Pareceia que, ambos, tão carentes e solitários, tinham, por fim, encontrado o amor. 

Ah, o amor! 

Quando a manhã chegou, ele acordou primeiro. Serviu-lhe café na cama. Uma rosa fresca na bandeija. Pousou um beijo suave em sua face.

Ela demorou a entender onde estava, o que havia acontecido. Estava feliz, plena. Encantou-se com a atenção dele, com a flor. Olhou para o relógio, levantou-se correndo, foi ao banheiro, recolheu suas roupas espalhadas pelo chão da casa.

Ele, ansioso, esperando uma palavra, um gesto, um sinal! 

Ela pediu-lhe que ele telefonasse para o ponto de táxi, pois estava atrasada.

Ele recolheu os travesseiros, telefonou e continuou à espera de um olhar, ao menos!

Ela não tinha coragem de olhá-lo - estava com vergonha e tinha medo que ele descobrisse que ela se apaixonara! 

A chuva havia parado - apenas uma garoa fina e um vento frio lá fora. 

- O táxi chegou! - ele o vira através da janela.

Sentou-se à cama, de costas para ela, que se vestia lentamente. A cabeça baixa, um nó preso na garganta. Triste, pois não recebera o sinal pelo qual tanto esperara durante aquela manhã, depois da noite em que se amaram tanto e tão intensamente. Mas ainda tinha esperanças que ela lhe desse um sinal antes de partir, e então ele a impediria, diria que queria mais, que a queria sempre por perto, que queria mais noites como aquela, que ainda tinham tanto que se conhecer, que se falar... que se amar! 

Ela se sentia uma tola! Foi chorando baixinho no táxi, durante todo o caminho, enquanto pensava:

- Fui uma ingênua ao imaginar que ele pudesse se apaixonar por mim! Amor em nossa idade? Ridículo! Eu sou uma romântica inveterada... 

Continuaram suas vidas solitárias.

Tinham, agora, um gosto especial pelos dias e pelas noites de chuva. 

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