POR ENQUANTO
Reinaldo de Morais Filho

Quando eu a descobri de olhos fechados, pude perceber que não sabia seu nome, pude perceber que continuava a acordar bem antes de qualquer mulher que se pusesse a dormir sob meus lençóis.

Decidi chamá-la A. enquanto espremia algumas laranjas, durante o passar de manteiga no pão derretido. E quem sabe, o café da manhã na cama compensasse minha pouca e pobre memória.

Beijei-lhe cuidadosamente seu rosto liso quando retornou surpresa do banheiro, vestida com uma blusa longa branca que me catou no armário, sem qualquer outra amarra por dentro — os seios garantiam a sensualidade dos seus contornos roubada por sua cor pálida.

E antes de me agradecer, desenhou entre o sorriso avermelhado que se chamava R. — como se fosse comum estar com homens esquecidos e atrapalhados quanto eu. "Não me chamo L., desculpa" — permaneci em silêncio para não demonstrar alegria.

Era uma terça-feira e estava atrasado para o trabalho — sou médico e aquele, dia de plantão em um hospital no interior. Contudo, após o primeiro pãozinho e entre o último gole de suco, transamos mais uma vez e fui obrigado a encontrar uma mentira e um amigo que me deixassem livre.

R. tinha dezoito anos, morava sozinha no Rio de Janeiro e tinha acabado de entrar na faculdade. O sotaque gaúcho escorrendo pelos fios dourados me fazia perder o rumo que tentava encontrar dentro dos seus olhos verdes.

Sempre tive a mania de invadir as pessoas através dos olhos para, ali dentro, tentar vislumbrar a verdade, o ser-supremo que cada um carrega sob a carapaça mesquinha que apresenta. Quase nunca tenho conseguido, principalmente nos últimos casos de romance — talvez por culpa de uma miopia que avança.

Confessei que lhe iria chamar de L., até que o castigo compensasse o crime cometido. R. sorriu quando a chamei R. na frase seguinte — o sorriso bobo que de tão ingênuo me denunciou encantado.

Beijei-lhe a palma da mão quando sentamos em um deque na Lagoa Rodrigo de Freitas; beijei-lhe na boca quando um pássaro avançou em um vôo rasante em direção à água — e aquele movimento me pareceu lento, pausado e louco.

R. estava com um short marrom que lhe emprestei, com a blusa roxa que usou na noite anterior, com umas sandálias que encontramos sem dona no armário. Decorei cada detalhe enquanto a observava carregando uma pequena mochila com as roupas usadas, indo devagar, constante e embora.

Pediu para que não saísse de onde estava, que não insistisse para levá-la em casa, que não ligasse no dia seguinte. "Fique aqui, aproveite a paisagem", disse como se fosse um rompimento sério, mas me confirmando todos os números, todas coordenadas nossas no mundo.

Eu era um pássaro passando rasante sobre o chão duro, pois obedeci suas regras malucas sem medir as conseqüências.

Dois dias depois, voltei ao mesmo lugar em que iniciaram as mudanças em toda minha vida e R. estava lá, como havíamos marcado, com uma expressão sisuda, concentrada em algum peixe profundo, como lhe estivesse ajudando a respirar naquelas águas sujas.

Eu que precisava de ajuda para encontrar oxigênio, ao menos as poucas moléculas suficientes para me manter vivo e para dizer a R. que estava apaixonado. Acabei cuspindo uma declaração sôfrega e permanecendo em coma, respirando por aparelhos, vegetando no silêncio que ela havia carregado em resposta.

O mesmo pássaro mergulhou próximo ao espelho d"água. R. libertou um único par de lágrimas dos olhos vermelhos, que, de tão discretas, caíram sem molhar o piso empoeirado do deque. Aceitou meu lenço e repetiu as leis e conselhos do encontro passado — acenou de longe, sem virar o rosto.

Ligou-me na mesma noite, "Preciso te entregar o lenço". E apareceu meia hora depois, vestida como uma adolescente que ainda era, de cara limpa como quem nunca precisara chorar — sorriu balançando o pano claro com manchas de batom.

Ofereci um suco e ela pediu uísque. Bebeu sozinho porque lhe avisei que teria trabalho no dia seguinte, cobrindo o plantão do amigo que me havia salvo outrora. Repetiu a dose contando as novidades infantis de sua colega de faculdade, e me arrastou até o sofá, onde recompôs a imagem séria.

Balançou os lábios como se fosse um escritor tentando iniciar seu conto, riscando as primeiras palavras, rasgando páginas atrás de páginas, denunciando a mentira que me iria inventar. Pedi para não explicar.

R. me havia encontrado naquela primeira noite sentado ao lado daquela estátua do Drummond que pregaram dura na praia de Copacabana, sozinho, uma hora da madrugada. Estávamos bêbados — e tanto que andávamos soltos na rua violenta, e tanto que ficamos alguns minutos, um sentado ao lado do outro, no banco já apertado, sem conversa.

Quando me levantou convidando para tomar um chope, eu ainda não havia retornado daquelas montanhas no horizonte distante da costa e apenas aceitei porque fui puxado pelo braço.

Em poucos minutos percebemos que desejávamos somente dormir acompanhados. E por isso, transamos após o cochilo, com os lábios tocados por dever de distância e não por impulso; por isso, o sexo durante o café da manhã pareceu melhor e inédito.

Não havia porquê ouvir qualquer explicação. Terminamos nossas bebidas ouvindo os casos de R., afastando nossos corpos e com a certeza de que éramos tão próximos que, no futuro, nada poderia evitar nosso namoro.

R. não disse adeus, nem olhou para trás.

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