O ASILO DO VELHO
CASARÃO
Juraci de Oliveira Chaves
Era um casarão antigo, daquele de três águas, mais conhecido como três quedas. Uma placa enorme se estampava logo na entrada: "Asilo Santa Clara".
Lindas flamboiãs, palmeiras e sempre-viçosas, enfeitavam o pátio enorme da casa recuada. Plantas verdes e lustrosas em grande quantidade. Do varandal se desprendiam samambaias e outras ramagens frescas. Os portentos janelões de madeira pesada marcavam o tempo. O melhor da cidade. A escolha dos asilados era feita por um especialista em perfil de idosos. Teria que ser aposentado, com cartão de crédito e sem dívidas. Não era permitido cobrador na porta.
Naquele dia passara pelo crivo o casal da casa de n.º 820, o Sr. Lucas e dona Lina.
Eles ouviram toda a transação entre o filho único e o representante do asilo. Seriam transferidos para o casarão. A justificativa era salvar um casamento de sete anos. Rannete, a nora, reclamava que havia casado com o filho e não com os pais. Tudo era motivo para uma briga e os velhinhos estarem na berlinda.
Lucas e Lina se falavam com gestos e olhares admirados, até mesmo espantados com a decisão do filho.
Quem cuidaria do enorme jardim há anos bem plantado, repleto de árvores, onde abrigavam orquídeas e avencas em extinção?
E a água benta que saia das mãos santas, da bica de pedra sabão?
Com certeza, seriam todos destruídos. Não mais ouviriam o canto dos pássaros saltitantes de galho em galho. Seria um desencontro total, um desmanche.
A negociação - de gente - fora fechada. Cheques volumosos sob a mesa como parte da transação, os cartões de créditos dos velhinhos e a procuração assinada pelo filho, dando plenos poderes para o asilo administrar tudo enquanto Lucas e Lina, vida tivessem.
Ainda tinham vida, sabiam disso. Choravam mas, precisavam agir. Olhando pelo retângulo da janela buscavam a paisagem, o verde, a saída.
Taparam os ouvidos para não ouvir aquela sentença. Dia marcado para a mudança.
A espera fora interminável. Na data marcada o caminhão de mudanças, encostou. Só os velhinhos estavam em casa. Foram ágeis. Indicaram todos os móveis que seriam levados. Logo que o filho chegasse, os levaria para a nova residência.
E ele chegou furioso por ter esquecido o trato marcado.
- Mãe, onde está minha cama? Meu guarda-roupa, minha televisão?
Ia se assustando à medida que não encontrava seus pertences.
- Pai, cadê meu escritório? Tenho um projeto para entregar hoje, onde está minha prancheta? Onde está o ... a ...
O velho pai, na sua costumeira tranqüilidade, respondeu:
- Todos os seus pertences e de sua esposa já estão esperando por vocês, no asilo do casarão. Aqui sempre foi o nosso lar e continuará sendo. Não trabalhei a vida inteira para morrer abandonado pela família, num asilo.
Dando meia volta, estirou-se na sua rede preferida, ligou a TV e ouviu o boa-noite inicial do apresentador do Jornal Nacional.
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