NEURONHA
Jayson Viana Aguiar
Sonho seu: largar o massacre da cidade grande; fugir de seu inevitável trânsito caótico; dar banana para a violência urbana; esquecer a poluição citadina; abandonar o estresse da busca de uma carreira de sucesso e de dinheiro. Para ele, isto tudo não passava de fonte de opressão, tudo desnecessário à alma e ao espírito. Era como se ele ainda não tivesse se achado, em sua essência. Tinha a palavra neurose como resumo de sua vida. Isto até ir para a ilha, onde foi tentar se encontrar.
Sonho seu: morar em Fernando de Noronha.
Chegou na ilha de avião e caiu logo em uma sala onde se paga a taxa de permanência. Em quatro dias e três noites teria que conseguir ou um emprego de carteira assinada ou um casamento com uma nativa, duas únicas soluções para um forasteiro morar na ilha. E foi a luta!
Durante o dia, tentava o emprego. Na única pizzaria em milhas de distância, na Vila dos Remédios, havia uma vaga para pizzaiolo, mas nunca aprendeu a abrir massa. De motorista de van somente se possuísse van, e para ter uma van só morando lá há pelo menos oito anos. Como ajudante nos barcos de passeio foi um desastre: mais vomitava que ajudava.
Durante a noite, tentava arranjar uma namorada nativa no Bar do Cachorro. O problema era que lá havia dez homens para cada mulher, que no caso não era nativa. O máximo que conseguiu na primeira noite foi uma promessa de gonorréia.
Entretanto, o que determinou a sua não permanência na ilha não foi propriamente o meu fracasso no emprego ou no casamento, mas o desencontro comigo mesmo. Quem disse que aquela vida sem cinema, sem um bom e barato rodízio de carne, sem meu carango envenenado, sem uma boa loja de discos o seduziu. Com duas noites na ilha viu que, ali, neuronha* seria o resumo de sua vida.
O reencontro consigo mesmo se deu em seu regresso, logo quando chegou em Recife. O vôo para sua cidade grande ainda demoraria quatro horas, e nada melhor que, durante a espera, ir para o Boteco de Boa Viagem e flagrar um racha entre uma Ferrari e uma Masseratti à beira-mar. Ele até que reprovava os pegas, mas que achou bonito achou.
* Versão local para a palavra monotonia.
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