DEUS E FUTEBOL
Claudio Alecrim Costa
Estava quase quebrando a televisão que se negava a funcionar. Fazia uns ruídos e a imagem era embaçada e cheia de riscos. Sentei vencido e lamentando por não poder ver o meu jogo de futebol. Havia preparado pipocas e tinha cerveja de sobra, tudo espalhado pela mesa.
Um forte vento seguido de um estrondo quase me matou de susto. Olhei para o chão, perto da janela, e vi um homem vestido com uma roupa longa e branca. Aparentava idade e era mal humorado.
- Quem é você?
- Deus! Que lugar é esse...
Deus havia caído dentro do meu apartamento numa tarde que esperava assistir uma boa partida de futebol. Isso era o limite para um cara desempregado e cético, cujas lembranças religiosas se resumiam a uma namorada de pudor e castidade impenetráveis.
- Esse é o meu apartamento...O Senhor entende alguma coisa de televisão?
- Mais respeito, meu filho...Fique ajoelhado quando falar com o criador do universo. Aliás, está uma bagunça esse seu apartamento...
Existia uma ponta de arrogância na figura maltrapilha e obesa. Mas, por outro lado, Ele era o criador do mundo como bem me lembrou. Podia consertar certamente minha televisão, pensei.
- Eu sou seu fã...
- Idiota! Eu tenho que olhar por todos e um mortal me vem com esse papo de fã...Ta pensando que sou um pop star? Não dou autógrafos, vou logo falando...
- Eu sei que tem responsabilidades maiores...Tem o cara lá do inferno...
- Inferno é esse mundo...Guerras, políticos corruptos, fome...
- Também acho...O que o Senhor acha do Bush?
- Tá me dando trabalho...
Fez cara de cansaço e sentou-se na minha poltrona arrastando a túnica encardida. Pegou uma porção de pipoca e encheu a boca...
- Que delícia! O que é isso...
- Engraçado...
- O que há de engraçado?
- É que dizem que o Senhor é onisciente...
- E sou...Mas...
- Tudo bem, não precisa se explicar...Só queria saber como veio parar em minha casa...
- Acidente de percurso...O que é isso?
- Cerveja...Pode beber se quiser...
Nunca imaginei Deus bebendo cerveja. Era uma imagem que nenhuma agência de publicidade poderia superar.
- Boa bebida...! A gente se sente...
- No céu!
- Isso, rapaz! É um prodígio. Qual o seu nome?
- Afonso...Por favor, anote e procure não esquecer...
- Pode deixar...Tinha um encontro, mas vejo que se tornou um desencontro. Perdi o caminho. Por isso vim parar em sua casa.
- Com quem era o encontro?
- Isso é assunto celestial, mortal Afonso...Tem nome de anjo, sabia?
- Mas não sou...
- O que?
- Nada. Bebe mais e fique à-vontade.
- O que é essa caixa cheia de luzes tortas...? Bruxaria?
- É por aqui que vejo meu jogo de futebol.
- O que é isso?
Expliquei detalhadamente o que era um jogo de futebol enquanto o velho secava minhas garrafas. Ficou tão empolgado que se levantou e, como um mágico, pegou a televisão e fez aparecer à imagem que a droga do aparelho nunca teve.
- Incrível! O Senhor é mesmo único...
- Posso assistir um pouco o...
- Futebol...
- Isso! Gostei do Futebol...
- Claro! Afinal o Senhor é o meu salvador.
Enchi o copo dele e o meu e passei a disputar as pipocas. Era onipresente no sofá onde só pude me servi de uma ponta. Deus existia e, pelo jeito, devia ser mesmo brasileiro.
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