CONCHETA
Carlos C. Alberts

Querida Concheta 
Estô a te ligare 
Pra te convidare 
Pra manjare con me 
Comê unas brachola 
Queijo provolone 
E na radiola 
A Rita Pavone 
Dispois unas pizza 
Tipo califónia 
Tutte mezza a mezza 
Ma que bruta esbórnia

Estava sentado à minúscula mesa, do pequenino bar. Os músicos amontoavam-se no irrisório palco. A grande quantidade de pessoas fazia com que aquilo que era pequeno ficasse ainda menor. 

Tinha ido àquele lugar na esperança de encontrar o velho companheiro. Amigo de tantos anos, que agora raramente encontrava. A Vila Madalena, num show do Língua de Trapo, era o lugar mais provável para achá-lo.

Grande cara. Não que todos gostassem dele. Super seguro de si; um pouco vaidoso demais; tinha facilidade com as mulheres (ainda que tenha deixado muitas com o coração partido); inconseqüente; ambicioso. Mas, em compensação, que lealdade. E cada idéia que o cara tinha. A criatividade e a falta de pudor em apresentá-las tinham sido grandes aliados em sua carreira. Cientista, como ele.

Haviam se conhecido quando ambos moravam na mesma Vila Madalena. Com suas ruas com os nomes mais simpáticos da Cidade. Girassol. Aspiquelta. Moraram na República com o Lampa. 

Concheta, 
vita mia, 
ricorda aquele giorno 
que nós fumo no ristorante, 
no ristornate do Grupo Sérgio 
e ocê parlô per me: 
facchiamo I'amore lá no meu beliche. 
E eu te diche: 
má logo agora que misturei 
cogumelo com aliche, 
ocê vem me falá em amore, 
em séquiço, 
que eu tô com una bruta dolore no duodeno... 

Mas cadê o tipo? Começaram a se separar quando resolveu investir num emprego no Interior, constituir família, obrigações, filhos. O amigão continuou solteiro e irreverente. 

Tomando Absolut com uma folhinha de hortelã, lembrou-se das bebedeiras na madrugada paulistana. Dos finais de tarde na Praça do Pôr-do-sol. Das manhãs frias de bicicleta, indo para a USP e chegando mais rápido do que se fosse de carro.

Lembrou como um ajudou o outro com a respectiva dissertação de Mestrado. Um com as idéias mais loucas e provocantes, o outro com o trabalho de verificação, reservado e concentrado. Complementares. Este era um dos motivos de estar ali. Precisava de idéias novas para suas pesquisas, cada vez mais parecidas com as de todo mundo.

Já no meio do copo de vodka, e nada do sujeito aparecer. Talvez esteja em outro bar.

E ocê parlô per me: 
vá! má me toma um sar de fruta Eno. 
E a dolore foi aumentando, aumentando, 
aumentando 
e io gritei pro garçon: 

O cara adorava o Língua. Ele? Já não achava mais tão engraçado. Mas ainda trazia muitas recordações. 

Ali. Lá está ele. Batendo papo com a gatinha. Cabelo comprido, barba rala, camiseta preta do Nosferatu. Não mudou nada. 

Não. Não é ele. Não podia ser. Muito jovem. Mas muito parecido. A mesma cara de anjo. Conversa agressiva. Um ar levemente superior, arrogante.

Chega de spaghetti 
Suspende a escarola 
Leva o capelletti 
Tira o gorgonzola 
Traz um sar de fruta 
Dio, Dio tutta meia 
Questa pastasciutta 
Me deu diarréia

Não vai aparecer hoje. Sem problema. Vai vê-lo na próxima. Ou então, em casa. Seria só o trabalho de colocar um disco do Pink Floyd, ou folhear um livro do Vargas Llosa. Ou, ainda, preparar um Horse's Neck. Ele logo aparece. Aí poderão discutir novas idéias científicas.

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