AMIZADE
INDECOROSA
Beto Muniz
Conheci
a Carol durante as férias. Capricho do destino que fez dois paulistanos
se encontrarem na Bahia. Paulistas encontrando-se em Porto Seguro não
é um acontecimento raro, mas fomos obrigados, por razões diferentes, a
viajar fora de temporada e coincidentemente cada um curtindo mágoas de
relacionamentos abruptamente interrompidos. Era agosto de 1998. Carol
uma mulher linda, de riso fácil e beijo demorado, porém entre nós não
aconteceu nada mais que beijos, pois ela logo percebeu que deveríamos
optar pela amizade em vez do namoro. Terrível compatibilidade de afinidades,
ela justificou. Amigos, então!
Não demorou mais que metade de um dia para que ela encontrasse outro candidato a amante e eu, um tanto quanto despeitado, localizasse outras candidatas a me distrair durante os quinze dias de férias. Mas Carol estava hospedada na mesma pousada que eu e a convivência imposta pelo marasmo dos dias contribuiu para que desenvolvêssemos uma amizade de infância. Durante o dia passeávamos pelas inúmeras praias e em todos os finais de tarde, cansados, gozando o pôr-do-sol, comentávamos as aventuras e peripécias vividas até então. Entre uma caipirinha e um chope no bar da pousada a nossa diversão era falar sobre os prazeres e trapalhadas dos dias de Bahia. A dona da pensão se especializou em anunciar o fechamento da cozinha e nós elogiávamos os pratos típicos em agradecimento por não nos deixar sem refeição. Após o jantar, mais chopes e caipirinhas até alta noite. O bar nunca fechava. Quase na virada do dia, um banho e balada. Diversão em Porto Seguro esquenta é na madrugada. Final de férias. Na despedida anotei o telefone da minha mais recente e única amiga mulher. Jurei que ligaria e nunca liguei. Ela ligou quatro vezes num intervalo de um ano e cada ligação descarregava totalmente a bateria do meu celular. Contava todos os detalhes do atual namoro e da blusa-verde-ombro-a-mostra-que-comprou-no-shopping como se estivéssemos vendo o pôr-do-sol em Porto Seguro. Sem noção. Sem preocupação. Sem pudores. Irmãos. Depois sumiu por um ano e no final de 2000 ligou novamente. Transmitida via satélite, sua felicidade chegava límpida até meus ouvidos e contagiava. Foi impossível recusar o convite, como das outras vezes, e marcamos um chope num bar do Itaim Bibi. Carol é uma mulher que não se envergonha dos vícios, e ela tem vários. O melhor deles é o sexo, o pior é o jogo. Bingo. Não pode nem pronunciar a palavra bingo sem ficar excitada. O vício intermediário é o álcool. Bebe mais que muito marmanjo e devo admitir que seu gosto pelo álcool e pelo bingo foi a terrível compatibilidade que afundou nosso caso de amor. Ela não queria formar um casal de bêbados falidos. Mas se por um lado perdi uma amante, eu deveria estar feliz e me conformar com a excelente amiga. Foi com a amiga que marquei o chope. Mas beber com uma amiga bonita, que declaradamente adora sexo e justamente quando eu estava completando três semanas sem namorada, sem caso, sem envolvimento algum? Cabeça de homem é fácil entender. Se na Bahia não rolou, quem sabe agora? Setecentos e trinta dias podem modificar muitos pensares e... Sim, poderia transformar o chope numa transa. Carol é uma mulher linda! E é viciada em sexo... em bebida... em jogo. Uns copos, uns trocados no bingo da Pamplona e a gente termina na cama. Perfeito! Ansioso, cheguei meia hora antes do horário combinado e o boteco já estava repleto! A muito custo tomei posse de uma mesa e duas cadeiras na calçada. Uma hora depois, não fosse a qualidade do chope, o colarinho do chope, a temperatura do chope e o chope em si, eu teria abandonado a possibilidade de transa. Desaforo! E também abandonaria a mesa com cadeiras à sanha dos freqüentadores ávidos por espaço. Maldizendo a amiga atrasada e bendizendo a competência do tirador de chope, decidi por aguardar mais quinze minutos. Saideira! Gritei e ela chegou. Abraçou-me como se eu fosse o irmão que há muito não encontrava. Fiquei entre decepcionado – leia-se broxado – e comovido. Na confusão de sentimentos, retribuí, sincero, o abraço e o carinho fraternal já me esquecendo do atraso, do chope e dos que tentavam furtar as cadeiras. Novidades? Estava saindo da casa dos pais e ia morar com o namorado. Um brinde! Que tal uma despedida de solteira? – Só pensei e não perguntei para não declarar minhas pérfidas intenções. Sem noção das horas e dos copos que iam e vinham, consegui encaixar o bingo da Pamplona no assunto. No meu carro ou no seu? Enquanto eu dirigia pela Juscelino Kubitschek ela falava sobre tudo que não me interessava. Na Pamplona, enquanto jogávamos, consegui encaixar – sou bom nisso! – meu apartamento no assunto. Senti que ela não suspeitara ainda das minhas intenções. Remorso rápido. Rapidíssimo! Era torturante o desejo indo e voltando como se estivesse amarrado à uma roda. Por mais que eu tentasse retribuir e ser apenas o amigo querido, na minha mente de macho no cio não existia outro assunto, apenas os meios que justificavam os fins. Já entrando no meu apartamento lembramos do carro dela, que estava aos cuidados dos manobristas do barzinho lá no Itaim. Nossa lógica etílica finalizou a conversa abandonando o carro até o dia seguinte. Salivando de felicidade eu pensei: BINGO! (leia-se, SEXO)! Ato contínuo, eu roubei um beijo e tropecei no tapete. Acordei abraçado à Carol. Ela dormia intocada e devidamente enfiada no seu jeans e eu, pelo jeito, dormira comportado dentro meu velho índigo. O tapete da sala nos servira por cama, as almofadas por travesseiro e a televisão, que coisa!, indiferente ao característico gosto de cabo de guarda chuva de madeira molhado entalado na minha goela, transmitia um programa infantil qualquer. Definitivamente, o evento da noite anterior não fora um encontro. Estava mais para um porre de amigos. O que de fato éramos, apesar da minha falta de decoro. |